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O Fogo Sagrado

20160210

Boa noite!

Entramos hoje no período da Quaresma, os quarenta dias que antecedem a Páscoa, um período importante, não pelo seu tema religioso, mas sim pela energia que lhe está associada, originária de um tempo bem anterior ao das grandes religiões, um tempo de comunhão entre o ser humano e a Natureza. Esta é, certamente, uma reflexão um pouco diferente do habitual, mas que me faz sentido de partilhar neste momento.

Quaresma é símbolo de renovação, é o tempo que marca o fim do Inverno e o romper da Primavera, vencer a morte. No entanto, e para que tal aconteça, é preciso primeiro morrer, e morrer é permitir largar os medos, desapegarmo-nos da matéria, de tal forma que ela já não nos rege, apenas cumpre uma função, a da missão que nos trouxe à Terra.

Este momento que agora iremos viver, em que Saturno irá iniciar o seu movimento retrógrado, poucos dias antes da Páscoa, traz-nos a capacidade de assumirmos toda a consciência que, nos últimos tempos, temos tido sobre a nossa vida, sob a forma de percepções, de interiorizações, de experiências profundas ou de grandes provações, e nos permitirmos transformar tudo isso na energia que irá definir um novo trilho, um novo percurso nas nossas vidas. Ainda que tenhamos plena consciência da nossa missão e do nosso caminho, enquanto aqui na Terra estivermos, sempre teremos de escolher os trilhos, deixar outros para trás, transformar pequenas coisas, ou outras gigantescas.

O dia de hoje, a Quarta-Feira de Cinzas, traz-nos a ideia da transformação. As cinzas são o resultado de um fogo que destrói e transforma, mas também de um fogo que purifica, que eleva, desmaterializa. Hoje, ainda que nestas últimas horas, é tempo de resgatarmos o nosso fogo sagrado, o fogo da nossa essência, e prepararmos mais uma etapa da nossa caminhada. Esse será o trabalho que teremos pela frente nos próximos tempos, com a capacidade de tomarmos consciência de camadas mais profundas do nosso ser que precisam de transformação, que precisam de uma morte profunda, poderosa e renovadora, como uma tempestade que abre um caminho, limpando as árvores, permitindo que a Luz chegue onde antes a Sombra imperava.

É tempo de olharmos os nossos caminhos, ao que estamos presos, o que nos impede de avançar, vermos o que precisa desse fogo purificador, sejam sentimentos, pensamentos ou atitudes, convicções ou verdades. Nada que não esteja em sintonia com a nossa essência pode permanecer dentro de nós, pois, na verdade, é como um veneno que nos vai dilacerando, que nos destrói e nos mata por dentro, não numa morte que nos renova, mas sim num subjugar da nossa Luz à nossa Sombra, do nosso Eu ao nosso Ego, como um lento submergir nas areias movediças.

Não pensemos que estamos a falar apenas de coisas muito profundas e quase etéreas, pelo contrário! Maior parte das grandes questões que precisamos de trazer à Luz do nosso fogo sagrado começam pelas mais pequenas coisas da nossa vida, pelos pequenos desafios que vêm ao de cima em cada dia que passa, pelos pequenos grãos de areia que se vão acumulando, até que um dia, realmente, impedem a engrenagem de funcionar. O grande problema é subestimarmos aquelas pequenas coisas que vamos sentindo, aquelas pequenas mensagens que o Universo, que a nossa vida, insistentemente, dia após dia, nos vai transmitindo, as pequenas verdades que percepcionamos mas que, por serem pequenas, vamos colocando para um canto do nosso ser, uma sala onde acumulamos tudo o que não queremos mexer, que não queremos lembrar. Contudo, mais cedo ou mais tarde, as pequenas coisas tornam-se grandes, tão grandes que não podemos ignorá-las, e pedem-nos consciência, atitude e transformação.

Vencer a morte é transformar, dia após dia, em cada obstáculo, tudo o que somos, tudo o que vivemos, tudo o que sentimos ou pensamos, em manifestação de Luz. Impossível, poderão uns dizer, mas a verdade é que tudo o que hoje existe foi um dia considerado por alguém impossível, por outro alguém um desafio a superar. Vencer a morte é superarmo-nos a nós mesmos, e tal só é possível quando compreendemos que, na Terra, há uma perfeição composta por imperfeita matéria, efémero suporte que nos sustém enquanto existe uma missão a cumprir, que, embora tenha um princípio e um fim, cada etapa desse caminho tem um perfeito propósito. É cada dia do Inverno, do seu frio, das suas chuvas, que permite o romper das folhas e das flores na Primavera, pois é nesse período que, longe dos nossos olhos, as raízes crescem e a terra, na sua profundidade, alimenta-as com o que, um dia, se destruiu, se decompôs.

Por isso, compreendamos que tudo tem o seu ciclo, que tudo se renova, que tudo se liberta, mas que sem morrermos para o velho, jamais podemos integrar o novo em nós, sem tirarmos as velhas roupas, escuras e sujas, marcadas pelo suor de intensos desafios, rasgadas das quedas e do desgaste, que já não nos aquecem nem protegem, não poderemos vestir novas, melhores, mais bonitas, recompensa de todo o caminho percorrido. Este é o momento de tomarmos essa consciência profunda para que possamos trabalhar para nos libertarmos das amarras que nos prendem, do que nos impede de avançarmos, de sermos felizes, pois só com esse trabalho interior poderemos mergulhar nas nossas sombras e levar-lhes o fogo sagrado que existe dentro do nosso coração, um amor maior por nós mesmos.

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