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O Divino Errar

20160316

Maior parte de nós, senão quase todos, somos instruídos, ensinados e, verdadeiramente, treinados para não falharmos. Há uma cultura de exigência crua e desmedida, ajustada a conceitos desajustados, que nos domina, que passou para as revistas, para as televisões, para as empresas, para as nossas vidas no completo. Falhar não é possível nem permitido, é errado e leva a um castigo, mais um castigo, para além de todos os outros que as nossas bases sociais e morais nos impõem.

Aquilo que gostamos de chamar de falha, no fundo, se assim nos permitirmos e se assim as quisermos ver, são experiências que nos levam à aprendizagem. Se eu não tiver o peso moral e social sobre mim, o castigo que lhe está associado, olho cada situação como o que ela realmente representa, uma tentativa que me ajuda a fazer melhor, um errar que me ensina o que é certo, que aprimora os meus sentidos, que me encaminha para a mestria, pois a mestria nada mais é do que o caminho que fazemos e que inclui esse cair para levantar de novo constante, que me leva a saber andar na perfeição.

Nenhum de nós se tornou adulto sem ser criança, assim também nenhum de nós nasceu a aprender a andar, teve de se por primeiro direito, depois gatinhar, depois andar tropegamente agarrado ao que o rodeava para depois, ainda a cair de vez em quando, começar a dar os passos, cada dia mais certeiros e direitos. Também da mesma forma, nenhum de nós encontra o trabalho que o vai fazer feliz logo à primeira, ou tem a certeza que aquela primeira pessoa que surgiu na sua vida é a que vai amar para todo o sempre.

Muitos de nós, tantas vezes, devido às imposições familiares e sociais, devido às regras que lhes foram colocadas sobre a cabeça, como uma espada preparada para dilacerar, preferem não se mover a errar, preferem manter-se nas suas zonas de conforto, onde tudo parece estar bem, a experimentar, a crescer, a enriquecer as suas vidas, o seu coração. Com o tempo, há uma frustração que se torna mágoa, sofrimento e ódio. É verdade que não há nódoas negras, as calças não têm rasgões, não há feridas a sangrar, que doem e nos lembram da queda, pelo contrário, os joelhos continuam rígidos, inflexíveis, e, com o tempo, nós próprios tornamo-nos frios e secos, envelhecidos por dentro. A dor que se cria pela inflexibilidade transforma-se num sofrimento que nos acompanha para todo o sempre e o corpo curva-se perante o peso que outros, assim como nós mesmos, colocaram sobre as nossas costas.

Errar não é falhar, errar é crescer, falhar é desistir, é não reconhecer o nosso próprio valor, as nossas capacidades, as possibilidades que nas nossas mãos estão de evoluir. Tantas vezes, por ficarmos parados, porque se nos mantivermos no mesmo lugar, certamente não vamos errar, não arriscamos, não mudamos e, aí sim, sem sabermos, estamos a falhar mais do que se tropeçássemos e caíssemos, do que se escolhêssemos um caminho que, depois, nos apercebêssemos que não nos levaria aonde pretendíamos. No entanto, mesmo nesses caminhos que não nos levam para onde queremos chegar, há lições que se aprendem, há uma beleza que se pode tocar e observar. O bosque mais escuro e assustador, olhado com os olhos da alma, pode revelar as maiores belezas, os animais mais singulares, as plantas mais belas e poderosas. Contudo, só se lá entrarmos e nele andarmos é que podemos ver tudo o que ele nos pode oferecer. Da mesma forma, só tentando, errando, caindo e levantando-nos de novo para outra vez tentar, uma e outra vez, até conseguir, vamos recolher as pequenas peças de aprendizagem que montam uma máquina perfeita, a do nosso crescimento, a da nossa evolução, a da nossa mestria.

Recordemo-nos que, quando sentimos que falhamos, fazemo-lo segundo o conceito de alguém, dos nossos pais, dos nossos amigos, da sociedade, segundo, tantas vezes, o que nós achamos que são os conceitos dessas mesmas pessoas, baseados no que nos foi dito, imposto, nos dedos que nos foram apontados, na forma como crescemos, nas regras que nos fizeram crer que eram as certas, levando-nos a esquecer que, acima de tudo, há um caminho, um propósito, que temos de respeitar em nós mesmos, cuja bússola e mapa estão em nós, no nosso coração, na nossa consciência, na nossa escolha de propósito de vida.

Um dos maiores trabalhos de crescimento e evolução que temos é, precisamente, libertarmo-nos dessas mesmas crenças, dos pesos que elas nos criaram, mas, principalmente, do registo de não merecimento que nos vai consumindo e destruindo, que nos leva à vivência de menos do que somos, menos do que precisamos, menos do que merecemos. Um registo que nos coloca um número no peito e nos coloca como apenas uma simples peça num xadrez composto por muitos peões, onde nos querem fazer crer que somos iguais a todos os outros.

Errar, no fundo, visto com os olhos do coração, com a gratidão de assimilarmos uma experiência, usando-a depois para que esse mesmo erro não se repita, mas para que possamos crescer com ele, é um desvio saudável de um padrão, aquela faísca que nos acende a alma, que nos impulsiona a fazer mais e melhor, porque acreditamos em nós, porque sabemos que merecemos. Errar é criar uma ruptura num círculo vicioso, quebrar a matriz, permitindo-nos vislumbrar a beleza da nossa centelha divina em plena acção. Dizemos que errar é humano, e até poderemos concordar, mas se pensarmos que é errando que aprendemos, que crescemos e evoluímos, que nos tornamos mestres, fruto da experiência e da humildade de aceitar e de ser grato, então, talvez o mais correcto seja dizer que errar é, na verdade, divino.

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