Erich Fromm, psicanalista, filósofo e sociólogo alemão, escreveu um dia: «A principal missão do homem na vida é dar Luz a si mesmo, é tornar-se aquilo que potencialmente é.» Todos nós procuramos um sentido de missão nesta vida, muitas vezes sem sequer compreender o que é isso de “missão”, às vezes confundindo esta mesma ideia, este conceito, com um outro que falei numa reflexão, há uma semana, o de Visão, ou propósito. É partindo desse mesmo ponto de vista, proveniente das ciências de Gestão, tal como nessa reflexão, que também podemos compreender esse mesmo sentido, o de missão.
Se nós somos o barro que as mãos do oleiro vão moldar, a missão que abraçamos é, no fundo, o caminho que nos leva desse pedaço disforme até à forma que se ajusta à função, com todos os pormenores e com toda a dedicação que é necessária. A vida, no fundo, é a roda que não para, que faz esse movimento perpétuo, que ajuda o oleiro, o nosso próprio espírito, a criar a vida que, num tempo fora deste tempo em que vivemos, desenhámos, definimos, a tal visão.
Pensando em todo o processo que o barro leva, desde que é recolhido da terra, até se formar num vaso ou noutra qualquer peça, é fácil perceber esse sentido de missão. A missão é, no fundo, a forma como chegamos à nossa visão, o caminho que temos de trilhar, em cada momento, em cada volta da roda do oleiro, onde vamos crescendo e tomando forma, onde encontramos obstáculos que nos dão um toque especial, que precisamos de contornar, mas que, no fundo, nos levam também até ao momento em que cumprimos o nosso propósito.
Nenhum processo é igual a outro, assim como nenhum de nós é igual ao seu irmão, pois cada um tem uma roda própria, tem um material semelhante que o constrói, mas um espírito único que molda esse material. O oleiro, sabendo que tipo de vaso quer criar, mune-se das ferramentas que necessita para, no momento certo, as poder retirar e usar. Da mesma forma, antes de virmos à Terra cumprir o nosso propósito, definimos as ferramentas que necessitamos, todas elas, desde as questões mais físicas às psicológicas e emocionais, desde as virtudes aos obstáculos, desde aqueles que nos irão ajudar, aos que nos vão trazer dificuldades. É dessa forma que, com o nosso livre-arbítrio, vamos encarar cada uma das etapas do nosso caminho, cumprindo a missão que escolhemos.
No entanto, quando olhamos para nós pelo olhar que o mundo nos criou, esquecemo-nos que cada vaso é único e, como tal, a missão que carregamos é diferente de qualquer outra aqui na Terra. De forma inversa, comparamo-nos, invejamo-nos, julgamos o caminho do outro por aquilo que achamos correcto ou incorrecto, mas esquecemo-nos que foi calçando os seus sapatos que ele percorreu esse trilho, que foram as suas mãos que moldaram o seu barro, que houve momentos em que o molde foi mais difícil, que mais água foi necessária, mas que houve outros em que a forma que pretendíamos não foi tão fácil de atingir.
O principal de uma missão é, na verdade, encontrarmos a forma escondida no barro, revelar a beleza do espírito e, como Erich Fromm dizia, dar luz a si mesmo. Se olharmos para o trabalho de outros ou se colocarmos o barro num molde, não é uma personalidade nem uma individualidade que estamos a criar, mas sim um clone, algo sem uma vida, uma luz própria. Contudo, se, de outra forma, olhando o barro, o material que trazemos para construir a nossa vida, e permitindo que o caminho nos mostre como nos podemos construir, sendo que, para tal, é necessário estarmos focados na roda do oleiro, compreendendo cada volta que ela dá, respeitando os seus ritmos e velocidades, revelando a forma subtil dentro da massa disforme, então estaremos a trazer a Luz de dentro de nós mesmos, iluminando e dando forma ao nosso próprio potencial, cumprindo essa mesma missão que carregamos desde o dia em que nascemos.
Nenhum de nós carrega uma missão superior à do outro, o que não faz com que o médico, o engenheiro, o terapeuta ou o padre sejam superiores à dona de casa, ao varredor de ruas ou ao desempregado. Pelo contrário, quando somos capazes de aceitar e conhecer o nosso próprio caminho, a nossa própria missão, então também somos capazes de respeitar e compreender a missão única de cada um dos que nos rodeia, amando-o como a nós mesmos e cumprindo o mandamento do Mestre. No fundo, se pensarmos bem, se Ele, que teve uma missão maior, tão profunda e importante, foi capaz de olhar para aqueles cuja missão passou pelo sofrimento, pela dor e pela doença com um amor tão grande e profundo, então cabe-nos a nós aprender e incorporar também essa sua lição no nosso próprio caminho.