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Um Passeio pelas Sombras

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Em tempos idos, dos quais já perdemos memória, os tempos dos mitos e das lendas, Júpiter derrotou o seu pai, Saturno, resgatando os seus irmãos, Neptuno e Plutão, e dividindo com eles o mundo. A Neptuno entregou o reino dos mares, a Plutão, o submundo, e Júpiter, assumindo-se como rei dos deuses, ficou com o resto do mundo e todo o Universo. Acredito que, ainda que fosse rei e senhor do Universo, se havia local que Júpiter não gostava, e talvez nem conseguisse lá entrar, seria o submundo, domínio de Plutão. Tal é tão verdade que, nem para conseguir um acordo por causa de Proserpina, sua filha, Júpiter se deslocou ao reino do seu irmão, enviando Mercúrio, seu filho.

No entanto, e entrando nos domínios da astrologia, Júpiter entrou no signo de Escorpião no passado dia 10 de Outubro, depois de cerca de um ano no signo de Balança, onde esteve a trabalhar e a promover as relações, a partilha e as parceiras. Contudo, agora o tema é bem diferente, pois Escorpião pede-nos outras vivências, outra entrega e, acima de tudo, um processo muito profundo e, de certa forma, sombrio, algo um pouco diferente do habitual de Júpiter.

Escorpião é, por si só, a profunda energia do submundo, a energia da morte e renascimento, onde aprendemos a resgatar as grandes riquezas que existem em nós através duma dolorosa, mas reveladora, transformação de nós mesmos. Ele é, por um lado, regido por Marte, o deus da guerra, o guerreiro que conquista, que usa os seus impulsos, a sua audácia e paixão para atingir os seus fins, e, por outro, de forma mais profunda, por Plutão. Ao contrário de Marte, que em Escorpião encontra a força que o mantém vivo, que o impulsiona em cada batalha a aguentar, sem desistir, Plutão vive a plena energia do signo, como o sangue que lhe corre nas veias, tornando-o, verdadeiramente, o senhor do submundo.

Imagine-se então, uma viagem de Júpiter aos reinos de Plutão, feita talvez de forma menos convencional, mas, se quisermos até dramatizar um pouco, feita com pompa e circunstância, entregando o óbolo a Caronte, viajando pelos rios que levavam ao palácio de Plutão, passando pelos corredores sombrios escuros e assustadores até chegar próximo do seu irmão. No entanto, Júpiter, de certa forma, é luz pura, e, com o seu raio na mão ilumina e revela tudo por onde passa. Se os corredores e as ruas do submundo são sombrios, com almas e monstros escondidos em tudo quanto é recanto, com a passagem de Júpiter, tudo se mostra, revela e se espelha. Esta pequena e simples imagem, algo fantasiosa, claro, mostra-nos um pouco deste próximo ano, marcado pela passagem de Júpiter pelo signo de Escorpião, que, nestes poucos dias, já deu muitos sinais.

Júpiter ilumina, amplifica, eleva, como uma brisa intensa que transporta consigo tudo por onde passa. Quando essa brisa passa por cima dum campo de flores, de alfazema, de rosas, o seu aroma é levado por todos os cantos por onde passa, ofertando essa bênção a quem no seu caminho estiver, alegrando, trazendo plenitude. Contudo, se essa brisa passar por cima duma lixeira, é esse aroma fétido, estragado, nauseabundo, que vai ser transportado por tudo o que estiver no seu percurso, propagando o mau estar e a repulsa.

Júpiter – Imagem: NASA

Quando Júpiter esteve em Balança, durante o último ano, ele permitiu que parcerias se fizessem, se amplificassem, promoveu a partilha, a dádiva, mostrou-nos que não podemos crescer sem essas ligações, mas ficou no ar um aviso, o de que tal se torna fútil e efémero sem algo mais profundo, sem o compromisso, sem um verdadeiro elo emocional, algo que só com a energia de Escorpião é possível de ser feito. Uma ligação tão profunda implica o rasgar de máscaras, o baixar de guardas e defesas, a entrega a uma vulnerabilização que liberta, que mostra-nos como somos, mas, para tal, precisamos primeiro de ver essa face de nós mesmos.

Quando Júpiter caminha pelo palácio de Plutão, a sua luz revela tudo o que ali existe. É nesse momento que monstros escondidos se mostram, que coisas esquecidas são reveladas. Plutão diverte-se, não se incomoda, pois nem mesmo Júpiter pode desfazer ou embelezar o que nos seus domínios se encontra. Pelo contrário, quando a luz se foca, as suas verdadeiras faces são vistas, para o bem e para o mal. Contudo, Júpiter vem com uma missão muito específica, vem dar a oportunidade para que algumas dessas almas perdidas, desses monstros deformados pelo tempo, pelas mágoas, pela dor e pela revolta, sejam, por sua vontade, resgatadas e elevadas, purificadas e transformadas em algo diferente. Para tal, só há uma regra, a que o próprio Plutão está, há algum tempo, a definir e impor.

Olhando os céus, vemos que Júpiter, quando entra no signo de Escorpião, e onde estará até Novembro de 2018, estará sempre a responder aos ritmos dos seus regentes, Marte e Plutão. Marte, neste período, estará entre Virgem e Aquário, o que significa que o seu impulso irá focar-se num sentido, numa direcção, que tudo o que foi aprendido e todas as capacidades entendidas terá de ter uma utilidade, não só para nós, mas no que somos e como o projectamos no outro, em variadas dimensões. Plutão continua a sua viagem por Capricórnio, quebrando estruturas, revelando o que está podre e obsoleto, destruindo o que não pode mais ficar em pé, permitindo-nos, depois, reconstruir o que tiver de ser (e como tiver de ser) reconstruído. No fundo, estas são as regras que o tempo de Júpiter em Escorpião vai ter de respeitar, ou seja, aquilo sobre o qual nós, que na Terra recebemos estas energias para com elas trabalharmos a nossa evolução, temos de ter em conta.

Os últimos dois anos, com especial foco do último, já com Júpiter em Balança, foram de algum optimismo, aproveitando as ondas das ténues recuperações económicas (mas que automaticamente vemos como gigantes) para podermo-nos sentir, novamente, a ilusão que controlamos tudo nas nossas vidas. No entanto, ao mesmo tempo, extremismos e populismos crescentes, reveladores duma estrutura social, polícia, económica e, principalmente, conceptual, caduca e em queda, muito próprios de Saturno em Sagitário, tem-nos trazido uma desilusão, um desconforto e uma esquizofrenia emocional colectiva. Tal é, sem dúvida, amplificado pela entrada de Júpiter em Escorpião, pois as sombras começam a revelar-se, começamos a ver o que existe em nós, o que precisa de mudar, mas vemos também os medos, as dúvidas, e tudo o que precisa de em nós ser limpo.

O submundo é, de todos os reinos, o mais rico, pois por detrás das sombras, dos monstros e dos medos, estão as nossas riquezas mais valiosas. É nos reinos do submundo, do interior da Terra, que as coisas de maior valor no plano terreno se formam, desde as clássicas riquezas, como o ouro, os diamantes ou o petróleo, até a algumas muito mais valiosas, mas que, como temos como adquiridas, nem sequer delas nos lembramos, como as sementes que nele encontram a fonte para se alimentar e crescer, dando-nos alimento, sombra e oxigénio, como os lençóis de água doce que irão desembocar nas nascentes. Da mesma forma, é no nosso submundo, por detrás dos medos, das dúvidas, dos bloqueios, mágoas, dores, raivas, revoltas e todo o tipo de monstro que existe em nós, que está a nossa centelha divina, que se encontram os nossos dons e capacidades, as nossas verdadeiras riquezas, que nos dão todas as capacidades de cumprir o nosso propósito nesta Terra. Contudo, para lhes acedermos, temos de passar pelas sombras, por tudo o que mais negro existe em nós.

Na passagem de Júpiter por Escorpião, tudo isso temos a possibilidade de ver e de trabalhar, e é isso que mais doloroso será nestes próximos meses. A dualidade amplifica-se e diz-nos que tudo tem um preço, que para se obter algo de bom, de maravilhoso, há que ter espaço para isso, e que tal implica desapegar, largar, limpar, libertarmo-nos do que já não precisamos. Dessa forma, para termos coisas boas nas nossas vidas, temos de largar o que ainda nos empurra para baixo, o que ainda é tóxico nas nossas vidas, o que nos destrói, e perceber que essa dor, essa apatia é, muitas vezes, uma das mais poderosas zonas de conforto que temos de enfrentar.

Digo muitas vezes que mais facilmente ficamos viciados na dor do que no amor, e isso é muito fácil de se ver. Quando algo é bom nas nossas vidas, até podemos aproveitar e desfrutar, mas há uma parte de nós que desconfia, nomeadamente quando estamos muito habituados a ter coisas menos boas, bloqueando a total e absoluta vivência do momento. No entanto, quando há algo de mal, temos uma enorme tendência para focarmo-nos, vivermos intensamente, sofrermos, sentirmos e alimentarmos a dor.

O que Júpiter em Escorpião nos vem ensinar é que a sombra existe, sim, como parte integrante das nossas vidas, como uma aprendizagem que precisamos de fazer, como algo que precisamos de compreender e desbloquear para podermos aceder à maior Luz que dentro de nós existe. Ele lembra-nos também que não a podemos eliminar, assim de forma simples, até porque nem ele mesmo, na mitologia, eliminou o submundo, nem sequer o visitava! É preciso compreender que tudo tem o seu espaço e o seu tempo, que tudo tem o seu lugar, que não podemos aceder à luz sem passar à sombra, e é por isso que Escorpião vem antes de Sagitário, o domínio puro de Júpiter, onde entrará no próximo ano.

No entanto, recordemo-nos das regras que temos de respeitar, e a maior delas é-nos dada por Saturno, que termina o seu trânsito por Sagitário e vai entrar no seu domínio, Capricórnio, a regra da responsabilidade. Se Júpiter em Escorpião vem escancarar as portas do nosso submundo, individual e colectivo, se nos vem mostrar o que precisamos de trabalhar, dando-nos também, até porque Júpiter é um pai benevolente e benfeitor, as ferramentas para o podermos fazer, tal só pode acontecer pelas nossas próprias mãos, pois Júpiter está no território do seu irmão, aquele que não julga, mas que preserva o funcionamento pleno da justiça divina e que, por isso, nos diz que se quisermos aceder aos nossos tesouros, temos de mexer no que está podre, limpar, deitar fora o que não presta e, dessa forma, libertar a luz que lá existe.

Mapa – Ingresso de Júpiter em Escorpião (Lisboa)

O mapa da entrada de Júpiter em Escorpião, ainda que se ajuste a cada nação e a cada espaço físico, tem algo de comum ao qual não podemos escapar, uma grande cruz nos signos mutáveis, uma configuração muito desafiadora que está a ser revelada nestes dias pelos acontecimentos um pouco por todo o mundo, mesmo aqueles que, sorrateiramente, tentam passar ao lado, mas que Júpiter, por ser um pouco extravagante, revela na mesma. Esta grande cruz, formada pela Lua, Marte, Vénus, Saturno e Quíron, traz-nos uma grande fluência de acção em prol da cura, do resgate e da transformação, ao mesmo tempo que nos diz que tal só pode acontecer e dar frutos se formos capazes de mexer nas nossas zonas de conforto, de deixar os medos se mostrarem e assumirmos a responsabilidade pelas nossas vidas.

É preciso, acima de tudo, que cada um de nós saiba afirmar, perante si mesmo e perante todos aqueles que a nós estão divinamente ligados, a decisão e o compromisso de transformação, de assumir a sua própria individualidade, a responsabilidade da sua vida, de escolher evoluir, trabalhando a sua identidade e escolhendo em consciência, pois é isto que o mundo à nossa volta nos está a pedir. Quanto mais nos desresponsabilizamos pelas nossas vidas, quanto mais nos desligamos de nós mesmos, como escrevia num outro texto, mais envoltos, absorvidos e consumidos pela nossa própria sombra nos vamos sentir, menos vamos conseguir avançar, pois continuamos à espera que sejam os outros a resolver os problemas que nós, consecutivamente, criámos. Não podemos exigir responsabilidades aos outros, em coisas que envolvem as nossas vidas, sem nós mesmos assumirmos as nossas, sem nos comprometermos e, por isso, Júpiter “decidiu” fazer uma sábia viagem até ao submundo, onde sabe que não pode exercer a plenitude do seu poder, não por incapacidade, mas sim por respeito a uma força maior e muito mais elevada que ele mesmo, o movimento perfeito e perpétuo do Universo.

Há uma grande certeza em todo este percurso, a de que, quer queiramos, quer não, Júpiter não consegue apagar a sua luz e o seu raio e, por isso, vai iluminar as sombras que neste mundo, no nosso mundo, no nosso Eu, existem. A nós cabe-nos a decisão de nos permitirmos ver o que revelado será ou de permanecer na ignorância, ainda que tal implique fechar os olhos e continuar a andar sem direcção ou escondermo-nos (se conseguirmos) do que é evidente. Escolher viver os medos, as dúvidas, limpar os corações, as mágoas, as raivas e as dores, por muito recentes ou antigas que sejam, por muito justificadas que sejam, libertarmo-nos do que ainda nos prende, do orgulho, do materialismo, dos vícios e dos apegos, pode, e vai, doer, vai-nos rasgar nas nossas máscaras, nas nossas ilusões, vai-nos mostrar as nossas fraquezas e, até quem sabe, deitar-nos abaixo, mas é a atitude de nos voltarmos a levantar, de aceitarmos o percurso, as situações, de nos reerguer-nos, que nos vai mostrar o nosso verdadeiro e belo poder.

Estamos demasiado habituados a olhar para o lado, a ver a força dos outros, a esperar, como referi atrás, que sejam os outros a assumir responsabilidades, e muitas vezes têm de o fazer, sem dúvida, mas isso de nada serve sem sermos capazes de o fazer também nós, de nos ultrapassarmos a nós mesmos. O que Júpiter em Escorpião nos vem também ensinar é que, sem dúvida alguma, o nosso maior concorrente e a nossa maior barreira somos nós mesmos, que se há alguém que tenhamos de vencer, esse alguém somos nós, em tudo o que nos bloqueia, em tudo o que nos limita, em tudo o que não nos permite sermos quem escolhemos, num outro plano, numa outra dimensão, ser, para nossa evolução, num propósito de verdadeira Vida, aquela que só tem sentido quando permitimo-nos, também, em nós, em tantas coisas, morrer.

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Comments (1)

Maria de Lurdes Fonseca

Muito obrigada pela bela partilha. Saibamos nós, ter coragem para remover tudo o que não nos deixa ser LUZ.

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