Em todas as histórias épicas, há um momento em que o herói tem de ultrapassar uma grande provação, tem de enfrentar os seus medos mais profundos e superar-se a si mesmo. Esse momento representa uma etapa essencial da sua jornada, de suprema importância, pois é um momento desafiador e intenso, que nos recorda que para podermos ser maiores que nós mesmos temos de nos libertar daquilo que nos aprisiona, que nos limita, que precisamos de morrer para quem somos para podermos ser quem realmente nos propusemos a ser.
É nesse sentido que chegamos ao momento central do Outono, o tempo em que as árvores largam as suas últimas folhas e frutos, que no chão começam a apodrecer. Aquilo que antes era belo, colorido e brilhante, começa a ganhar tons escuros, a rodear-se de bichos que o decompõem. As chuvas fortes começam a cair e toda a morte que envolve a natureza começa a ser levada para dentro das terras. Contudo, ainda que seja um tempo mais taciturno, sombrio e denso, é ele quem vai prover a terra de alimento para que a vida, num próximo ciclo, possa renascer.
Desta forma, a Natureza ensina-nos que a morte é a sequência natural da vida, mas que sem ela, não pode haver nova vida e toda a Terra se tornaria estéril. Esta é a grande verdade que este momento nos apresenta, que nos e trazido conjuntamente com a energia de Escorpião, um dos mais temidos Signos do Zodíaco, o profundo e poderoso signo das águas densas e profundas, que nos vem ensinar o poder desta grande energia que é a morte, mostrando-nos que só através dela podemos caminhar para o renascer da vida.
Escorpião é o oitavo Signo do Zodíaco, o signo Fixo do elemento Água, e é nele que vamos aprender a mergulhar e resgatar as nossas emoções mais profundas e escondidas, que vamos compreender o poder, o verdadeiro poder, do nosso lado emocional, ainda que tal implique um desafiador processo. Ele é o pilar energético do Outono, o poder do elemento água que nos sustenta, mas que é também o caminho de aprendizagem por um dos processos mais duros e desafiadores da existência humana, o da morte e do desapego, da transformação e da aceitação profunda da limitação da matéria. É isto que nos permite vivenciar a ponte que Escorpião é entre a matéria e o Espírito, o condensador energético que nos permite iniciar o processo de nos ultrapassarmos a nós mesmos, ainda que, para tal, haja uma espécie de preço a pagar.
É com o Signo de Escorpião que entendemos o valor da morte, não só a literal, mas também a simbólica, nos seus mais diversos sentidos. Sem morte não pode haver vida, pois é este profundo processo que cria a evolução de tudo o que existe, que dá impulso e direcção para que a vida se aperfeiçoe e se eleve em si mesma, corrigindo problemas, integrando aprendizagens. A morte é a transformação mais poderosa e intensa que poderemos fazer na nossa vida, a derradeira libertação de tudo o que nos aprisiona, que origina uma nova energia, um novo ciclo, que revela a nossa verdadeira essência.
Nas nossas águas profundas, densas e pantanosas, no nosso lado emocional mais interior, encontramos as nossas maiores riquezas, mas também, sem dúvida alguma, os nossos monstros, e são eles que necessitamos de encarar, trabalhar e iluminar para poder atingir e revelar a subtileza de quem somos, a força da verdadeira vida.
Ao longo do caminho, com as diversas aprendizagens que vamos fazendo, com as experiências que nos levam à construção da nossa personalidade e da nossa identidade, vamos criando máscaras, capas e armaduras, vamos desenvolvendo defesas e dando, muitas vezes, o nosso poder aos outros. A morte, em Escorpião, é o rasgar de todas essas barreiras, de tudo aquilo que nos impede de sermos nós mesmos, o largar de um Eu antigo e a profunda transformação para a verdadeira Essência que só pode ser feita com um mergulhar no nosso lado mais sombrio, com uma entrega à corajosa missão de busca pelos nossos maiores tesouros.
Escorpião são as águas paradas, cobertas de limos e algas, as águas pantanosas, com uma densa película de nevoeiro a cobri-las. Não conseguimos ver o que está por baixo, às vezes nem o que está à nossa volta, mas o ar que se respira, o ambiente que nos rodeia garante-nos que iremos, sem dúvida alguma, encontrar muita coisa. Nas nossas águas profundas, densas e pantanosas, no nosso lado emocional mais interior, encontramos as nossas maiores riquezas, mas também, sem dúvida alguma, os nossos monstros, e são eles que necessitamos de encarar, trabalhar e iluminar para poder atingir e revelar a subtileza de quem somos, a força da verdadeira vida.
No entanto, este não é um processo isolado e individual, bem pelo contrário. O percurso pelos signos já nos retirou da esfera do eu e colocou-nos na conexão com o outro. Se no signo de Balança aprendemos a relacionar-nos, se nos vimos através do espelho que o outro é para nós, em Escorpião precisamos de entrar dentro do espelho e não só vermo-nos a nós mesmos, mas conectarmo-nos, fundirmo-nos no outro, de forma a podermos transcendermo-nos, não através do outro, mas com o outro, elevando as nossas consciências através de um acto de profundo amor, o da morte do meu eu para o renascimento de um novo ser.
O melhor exemplo que temos desta vivência é a da intimidade, nomeadamente no sentido o acto sexual. O sexo é um dos maiores poderes que existem na Terra, porque tanto nos permite fazer uma ligação com o que de mais terreno, denso e material existe, através do uso do corpo apenas como um corpo, como também nos pode fazer conectar com o mais espiritual que existe do nosso ser, através da verdadeira união, física, sem dúvida, mas emocional, psicológica e de essência, transformando o que antes eram apenas dois seres em algo que ultrapassa a razão e a mensurabilidade da matéria.
Através do acto sexual, assim como em muitas outras que nos elevam à transformação do nosso ser, experiências escorpiónicas, mergulhamos no mais profundo do nosso ser para nos libertarmos daquela que é a nossa casa natural, o nosso corpo físico e podermos, mesmo com ele, sermos mais do que uma personalidade ou do que uma identidade. É em Escorpião que podemos, desta forma, tomar a consciência do nosso poder, do verdadeiro poder, que não passa pela posse individual, não passa pela matéria, mas sim pela capacidade de nos conectarmos, de nos ligarmos profundamente, de promovermos a nossa transformação e sermos, também nós, um canal de transformação do outro.
Escorpião ensina-nos essa fusão profunda e extraordinária, simbolizada pela união física e sexual, pelo poder do orgasmo, pela activação da nossa energia vital através e com o outro, pelo poder que provém dele, que me é dado, que eu preciso de preservar, respeitar como a mim mesmo e amplificar, partilhando-o com o meu verdadeiro poder, com a minha verdadeira força, em dádiva absoluta, criando um ciclo perpétuo de transformação. É esta ligação com o outro, numa partilha emocional profunda, numa luta, conquista, rebelião e rendição, que me permite ultrapassar a limitação da densidade terrena, do corpo físico, transformar-me e elevar a minha mais profunda essência, morrendo num eu escuro e sombrio, material e condicionado, renascendo para o meu verdadeiro Eu.
Para isso, precisamos de viver uma profunda entrega, o que implica um dos maiores desafios de Escorpião, a vulnerabilidade. Entrega implica largar a matéria e permitir que as águas do nosso ser possam movimentar-se, implica seguir o que mais animalesco existe em nós, o instinto, o resquício da nossa ancestralidade irracional, essencial à nossa sobrevivência, mas também à nossa transformação. Sem ele não teríamos o ímpeto de preservar a vida, de evoluir, de aperfeiçoarmo-nos, foi ele que nos compeliu a erguermo-nos e a elevarmos os nossos olhos aos céus, dando início à vivência humana como a conhecemos hoje.
No entanto, em Escorpião, a tendência é para que o instinto de preservação leve ao controlo, à manipulação, ao poder, o lado mais sombrio e difícil de trabalhar deste signo. Mexer com as nossas águas é muitas vezes doloroso e desafiador, levando-nos a extremos de medo e de dor. Por isso, protegemo-nos, instintivamente, para que o sofrimento não seja exteriorizado e, dessa forma, tornarmo-nos alvos fáceis para predadores maiores. Este é um dos maiores desafios que a vivência desta energia nos pede, a de sermos capazes de nos vulnerabilizarmos, de nos entregarmos ao processo na sua plenitude, de mergulharmos na escuridão profunda do nosso ser, o largar do velho, do conhecido, do estruturado e sedimentado, para abrir caminho ao que é novo, ao que é mais perfeito, ao que é mais belo, confiando, entregando, sem controlar, pois não podemos saber se assim será ou se, na verdade, toda a transformação será apenas destruidora de algo.
A vivência da vulnerabilidade é, no fundo, o permitir que possamos ser transparentes, que possamos viver a beleza do que é feio em nós, pois tudo tem o seu lugar e o seu espaço, tudo existe porque faz parte duma dimensão e duma sabedoria maior, de que tudo o que é luz é também sombra, e que o contrário também é verdadeiro. A vida, a natureza, a Terra, em cada momento, ensina-nos isso, mas é com a energia de Escorpião que o evidencia, quando nos revela que sem morte não há vida, e que a vida leva à morte, que é preciso vivê-los na totalidade, na plenitude do seu poder, aceitando-as e manifestando-as.
Ser vulnerável é manifestar e sentir o maior poder que podemos ter nas nossas mãos. Isso implica uma escolha, quase como o comprimido azul e o vermelho que Morpheus oferece a Neo no filme Matrix, que levavam ao mesmo ponto, mas em duas consciências diferentes. Da mesma forma, quando a vida nos coloca um experiência profunda e transformadora, um desafio, uma dificuldade, um obstáculo, uma violência intensa na nossa vida, ela está a dar-nos a possibilidade de escolhermos sair da forma antiga, o que pede entrega e vulnerabilização, mas que nos levará a uma nova consciência de nós, ou a vivência fechada e limitada que não nos irá levar a lado algum, mas que já é conhecida, segura e confortável.
O processo de Escorpião é o da lagarta que, para se poder reproduzir, necessita de se transformar em borboleta. Ela necessita de construir um casulo à sua volta que lhe vai permitir a transformação, mas durante todo esse período ela não pode fugir ou defender-se, ela está vulnerável a todos os predadores. Contudo, ela sabe que é um risco que necessita de ser vivido, que não pode controlar, pois ele é o único caminho que a leva a cumprir o seu propósito. Da mesma forma, quando o escorpião, o animal, chega a um ponto de crescimento tal, que o seu exoesqueleto não comporta mais, ele sabe que tem de o largar, o que o deixa vulnerável e lhe reduz drasticamente a capacidade de sobreviver a um ataque. Contudo, se não o fizer, ele vai sufocar dentro de si mesmo e irá perder a vida.
Quando não libertamos do que nos aprisiona, quando não permitimos que as nossas emoções fluam, se manifestem, nomeadamente as mais duras e difíceis, as que decorrem das experiências de dor e sofrimento, começamos a destruir-nos, pois acumulamos toda essa vibração em nós e o nosso corpo começa a ficar doente. Permitirmo-nos largar o que já não nos pertence é aceitar a morte de algo em nós e potenciar a vivência do luto, processo essencial para a regeneração do nosso ser, da vida, a percepção do verdadeiro valor de tudo o que vivemos, mesmo quando essa vivência é feita por meio da dor.
Quando o Sol atravessa o signo de Escorpião, há uma consciência de aprendizagem que se abre e que nos é oferecida, a da vivência profunda das nossas emoções e de tudo o que a elas está associado. Escorpião pede-nos que nos permitamos viver a intimidade, a partilha profunda e absoluta do que somos, e, para tal, precisamos de aprender o enorme poder que obtemos quando nos vulnerabilizamos. Essa é a tarefa mais dura que necessitamos de integrar, pois ela pede-nos que nos permitamos morrer para poder renascer, que larguemos todas as máscaras e armaduras e que o nosso coração se abra, se escancare, se revele, que sejamos apenas nós, sem qualquer artifício. Só dessa forma nos conseguimos sentir, verdadeiramente, vivos, em conexão profunda e absoluta connosco e com o outro, dando-lhe o que somos, mas também recebendo o que ele é, o que tem para nos dar.
Tudo tem o seu preço, recorda-nos Escorpião que, tradicionalmente, é regido por Marte, o guerreiro destemido e apaixonado, que luta por uma causa, que segue o seu instinto. Contudo, a profundidade da sua energia reflecte-se na regência de Plutão, onde ele se manifesta através da percepção do submundo, onde a morte se transforma em vida, onde nada se esconde e tudo se revela, onde não há hierarquias ou privilégios, onde estão as maiores riquezas que poderemos encontrar no mundo da matéria.
A mitologia conta-nos que para se chegar ao submundo era preciso ser levado por Caronte, o barqueiro de Hades (Plutão), que pedia um pagamento, a moeda que tradicionalmente era colocada sobre a boca do cadáver, para poder levar a alma até ao julgamento. Sem o pagamento, a alma ficaria a vaguear por cem anos, perdida, expiando os seus pecados. Da mesma forma, para podermos avançar e transformar a dor e o sofrimento, para ultrapassar a própria morte, é preciso pagar o preço, largar o que não é nosso, o que não pertence à nossa vida, a matéria que apenas ocupa espaço e nos impede de revelarmos a nossa essência.
Tudo em Escorpião se rege por esta profundidade, demonstrando-nos a sua natureza intensa, apaixonada e obsessiva, ao mesmo tempo magnética e extrema. Escorpião é desejo e repulsa, é posse e desapego, as polaridades constantemente vividas, ao mesmo tempo, no mesmo espaço, levando-nos a um dos mais profundos e desafiadores signos em termos do seu trabalho. Ele obriga-nos a mergulhar nas nossas profundezas para resgatarmos o que mais valioso existe em nós, que não existe na sua forma mais bonita, luminosa e pristina.
Na verdade, viver a energia deste Signo é aceder à pedra tosca que guarda o diamante, formado através de processos muito escorpiónicos, intensos, profundos e destruidores, essenciais para a transformação duma matéria banal numa pedra que, depois de recolhida e criteriosamente lapidada, revela a sua mais sublime beleza. Da mesma forma, cada um de nós precisa de se encontrar no seu lado mais negro e profundo, mais doloroso e sombrio, pois sem ele nunca poderá aceder à sua verdadeira e elevada Luz, a da sua Centelha Divina. Este mergulhar profundo não é simples, nem sequer, aparentemente, bonito, mas é duma beleza única e rara, que nem todos sabem ou conseguem apreciar, é verdade, mas que cada um de nós necessita, obrigatoriamente, de encarar e assumir se quiser cumprir o seu propósito.