A mudança é, sem dúvida, uma das maiores constantes da existência terrena, mas, do ponto de vista humano é também aquela que, muito provavelmente, constitui o maior desafio e a que mais nos provoca resistência. Por isso, quando vivemos tempos, quer individual, quer colectivamente, que nos solicitam um maior foco de mudança, há, naturalmente, uma via de resistência que é activada, criando maior dor e sofrimento, levando até a uma profunda onda de destruição. Contudo, tudo isso é necessário para que a mudança não seja apenas um alterar de componentes, mas sim uma profunda transformação que nos eleva e nos permite evoluir.
Imaginemos uma laranja que queremos comer, que precisamos para nos alimentarmos, para nos nutrirmos de tudo o que ela tem para nos oferecer. A laranja tem uma casca que não iremos comer, pelo menos crua, tem o seu interior suculento e saboroso que nos interessa e os caroços, que também não precisamos. A laranja é una em si mesma, um fruto completo, saído da árvore, mas que, se dele nos quisermos alimentar, precisamos de o mudar, precisamos de cortar ou rasgar a casca, retirá-la, tirar a pele que está entre a casca e o seu interior e, eventualmente, até tirar os caroços. No final, teremos de fazer algo com os restos, um subproduto do qual não nos podemos desresponsabilizar. Se não o fizermos, não só não nos alimentaremos dela, como ela apodrecerá, cumprindo um propósito igualmente válido, mas totalmente diferente.
Da mesma forma, para podermos tirar o melhor de nós mesmos, evidenciá-lo e crescermos no cumprimento do nosso propósito, necessitamos de fazer processos que funcionam como o exemplo da laranja, processos que quebram a nossa unidade, a nossa estrutura, o que está criado e formado, para resgatarmos o nosso interior. Sem o fazermos, manteremos uma estrutura, sem dúvida, mas dela não retiraremos mais do que o que já conseguimos, do que já nos foi possível. Assim, tal como o fruto, há uma decomposição do nosso potencial para o cumprimento de algo diferente daquilo que era o propósito original.
A mudança é o primeiro passo para a profunda transmutação do ser, é o quebrar duma estrutura que conhecemos para conseguirmos elevar-nos a um estágio que estará mais em sintonia com quem verdadeiramente nos propusemos a ser. Para tal, necessitaremos de fazer aquilo que foi definido como um processo alquímico. Depois do quebrar, é preciso diluir para que haja uma profunda redefinição, mais essencial, mais conectada ao que o nosso espírito pede, que depois nos levará a uma purificação, um processo de transformação muito intenso, cujo grande objectivo é resgatar a nossa mais bela e profunda essência.
Contudo, é preciso lembrar-nos que vivemos no plano terreno, um estágio denso, cuja manifestação se processa pela criação de estruturas, através da matéria. Quebrar essas estruturas implica desconstruir a matéria, o que nos deixa, naturalmente, inseguros, que nos eleva uma parcela de densidade que está conectada com o nosso ego e com o seu grandioso e divino papel de auto-preservação, o medo. Ainda que esse seja um instinto presente em todos os seres com algum tipo de consciência, o facto de termos um cérebro complexo e articulado faz com que o medo se transforme em muito mais do que um mecanismo de sobrevivência e tome a forma de um bloqueio.
Quando vivemos grandes tempos de mudanças, quando começamos a sentir o chão a desaparecer por baixo dos nossos pés, é quando mais temos a presença de focos de medo nas nossas vidas. Tal acontece no mais íntimo das nossas vidas, como também nos nossos círculos pessoais e sociais, alargando-se até onde é mais difícil de ser vivido, nas estruturas da sociedade e do mundo em que nos inserimos. Nesses momentos, sentimo-nos invadir por um conjunto de sentimentos, emoções e percepções que, muitas vezes, não conseguimos entender, sentimo-nos impotentes e, até mesmo, anulados, um sinal de que já estamos a viver a mudança no seu pleno. No entanto, esse é um momento perigoso e crucial, que moldará a forma como a transformação se dará e que definirá, por completo, o caminho que iremos fazer dali para a frente, até esse ponto de resgate, a verdadeira transmutação de algo em nós, na nossa vida, na nossa sociedade, no mundo.
O medo é o contraponto do amor, o ponto de dualidade da verdadeira natureza do Espírito, um processo que, por ser mal compreendido e, por isso, mal trabalhado, nos destrói. Não podemos apagar e anular o medo, pois isso retira-nos uma grande componente da nossa humanidade e, na verdade, não nos permite sequer usufruir da mudança como um ponto de transformação e elevação da nossa vida. A verdadeira mudança implica um trabalho com o medo, um abraçar dessa parcela de nós mesmos, compreendê-la e dar-lhe um significado, dar-lhe um sentido, orientando-a num caminho em que ela se revelará no seu verdadeiro propósito.
Todo o gerar de uma nova vida é um quebrar de uma estrutura, e em cada um desses momentos há o criar de energia que levará à grande magia da vida. Da mesma forma, nenhuma estrutura que se mantenha estanque poderá evoluir, pois em vez de criar irá destruir a essência. Por isso, na verdade, a mudança dá-nos a consciência do nosso poder de gerar a nossa vida, de criar, de evoluirmos. No entanto, tal implica quebrar o conhecido e entrar no desconhecido, alargar a nossa compreensão e a nossa percepção, o que nos activa as bases dos nossos medos mais profundos, sejam eles quais forem, tenham eles que origem tiverem. A mesma situação activa questões diferentes em cada um de nós, pois vai buscar a fonte dos pontos que nos propusemos a trabalhar neste caminho que chamamos de vida.
Na verdade, a mudança é um activador de evolução, que nos faz entrar na nossa sombra e nos leva a trabalhá-la para podermos resgatar a nossa luz. Afastarmo-nos da sombra, da mesma forma como tentamos afastar-nos dos nossos medos, camuflando-os e escondendo-os, faz com que sejamos absorvidos por ela, preenchidos pela sua força, condicionando a nossa verdadeira natureza, a nossa divindade. A mudança é o rachar de uma estrutura que impede a nossa luz de brilhar. Contudo, quando tal acontece, a força do que existe na nossa essência é activada no seu infinito poder e, como uma peça de loiça que denota um início de um rachar e que, mais cedo ou mais tarde, acabará por partir de vez, também o grande propósito é que possamos aproveitar a mudança que nos é apresentada, oferecida e, muitas vezes, sem percebermos, por nós criada, para trazermos ao de cima o nosso verdadeiro ser.