
Um dos grandes desafios do ser-humano neste caminho aqui na Terra é, sem margem para dúvidas, a aprendizagem e a vivência das emoções. Esta experiência, este caminho, que implica a encarnação, o viver na matéria, comporta em si esse trabalho muito profundo e especial, reflectido, simbolicamente, pelo facto de grande parte do nosso corpo ser composto de água e de ser ela o elemento associado às emoções.
A água, como as emoções, é fascinante, paciente e resiliente, imprevisível e imparável, e ao mesmo tempo suave, curadora e bela. Tal como a água nos nutre e, por isso, se torna essencial à vida, as emoções são parte fundamental da nossa existência aqui na Terra, até porque sem elas não somos, nunca, verdadeiramente humanos. Sem as emoções, tornamo-nos robots, autómatos, mecânicos, desprovidos do material condutor (chamemos-lhe dessa forma) que permite o amor fluir. Sem elas, ficamos secos, perros, imóveis, irredutíveis, e vamo-nos bloqueando, impedindo de sentir a vida, de sermos mais do que simples pedaços de matéria que por aqui andam umas quantas voltas ao sol.
No entanto, a vivência das emoções, a sua intensidade, a forma como elas nos invadem em menos de nada, a maneira como elas nos transformam, implica largarmos muitos dos mecanismos que foram alimentados nas últimas décadas, ou mesmo séculos. Fomos educados e incentivados a bloquear essa nossa dimensão, a olhar para as emoções como algo negativo. Ouvimos constantemente que um homem não chora e quando nos é dito que emoções são coisas de mulheres, depreendemos facilmente uma conotação negativa ao termo. A verdade, porém, é que não existe nada mais humano do que emoções, até porque elas fazem parte da grande dimensão que é a nossa alma, a consciência que nos habita e que vimos desenvolver.
Coração e cabeça, emoção e razão, ambos são parte da nossa consciência, ambos são necessários à nossa existência e, na verdade, a nossa vida existe porque os dois, que são para nós corpos, tal como o físico, estão em constante ligação. Quando algum deles está desconectado, desajustado, com feridas e em sofrimento, quando não está integrado, a nossa humanidade fica comprometida e é isso que hoje vemos acontecer no mundo que nos rodeia e em nós mesmos.
Costumamos dizer, e bem, que é preciso calçar os sapatos do outro e caminhar na sua estrada para realmente compreender o que é a vida desse alguém. É preciso, e hoje é mesmo urgente, sabermo-nos colocar no lugar do outro, ter, por instantes, a sua visão da vida, pois é dessa forma que conseguiremos percebê-lo e compreendê-lo.
Ainda que as primeiras emoções com que nos deparamos são as nossas, ainda que os primeiros pensamentos que com que vivemos são os que a nossa mente fabrica, a verdade é que a vida na Terra é social, e tal implica que também precisamos de lidar, gerir, vivenciar e coabitar com as emoções e os pensamentos dos que connosco contactam. É neste ponto que, sem dúvida, encontramos as grandes cisões, os grandes problemas, como os que hoje vivemos no mundo e na sociedade.
Da união da nossa mente e das nossas emoções surgem e nascem muitas coisas, e muitas delas essenciais à nossa coexistência enquanto seres. Hoje, com tudo o que temos vivido, com todos os desafios que nos têm sido apresentados, a profunda instabilidade que dois anos de pandemia e, agora, o choque da guerra e o despertar que ela nos traz em relação às muitas outras guerras que se vivem no mundo, podemos perceber que há algo nesta união entre cabeça e coração que precisamos de trabalhar e de cultivar, que é crucial para a continuidade da nossa existência, a empatia.
Ao longo de décadas, fomos orientados para uma postura individualista, egocêntrica, que reflecte o medo do que o outro nos pode trazer ou do que nos pode tirar. Uma postura fechada, em constante alerta e protecção, em permanente modo de sobrevivência, mostra-nos o quanto temos sido levados a conter, diminuir e até suprimir as nossas emoções, não só sobre nós mesmos, mas também sobre os outros. Quando percorremos as redes sociais, as conversas de café, os artigos publicados nos jornais, compreendemos a profunda falta de consideração pelo outro que está sedimentada em nós, o egoísmo, a falta duma postura empática, reveladoras dum alimentar de medo por gerações e gerações, aproveitada pelos espectros mais extremistas da sociedade, nomeadamente políticos, eles próprios movidos e alimentados através desse mesmo medo.
Costumamos dizer, e bem, que é preciso calçar os sapatos do outro e caminhar na sua estrada para realmente compreender o que é a vida desse alguém. É preciso, e hoje é mesmo urgente, sabermo-nos colocar no lugar do outro, ter, por instantes, a sua visão da vida, pois é dessa forma que conseguiremos percebê-lo e compreendê-lo. É assim que, através desse outro lado, perceberemos que a nossa visão e os nossos valores não são os únicos, que o mundo existe para lá do nosso umbigo, que saberemos respeitar o outro em tudo o que ele é. Assim, compreendemos também que esse respeito e essa aceitação não eliminam nem implicam a perda dos nossos próprios valores, das nossas próprias crenças, da nossa própria visão – que, na verdade, até os amplifica.
O lugar do outro pode ser, sem dúvida, muito estranho para nós, pode até ser incomportável para por nós ser vivido. No entanto, também não é isso que está em causa. Quando nos colocamos desse outro lado, de forma empática, conseguimos ter acesso a uma visão muito própria, mas também essencial ao bom funcionamento da sociedade e ao desenvolvimento da humanidade. É na diferença que está a riqueza humana, é na unicidade que nos descobrimos como seres criadores e extraordinários, mas, para muitos, esse respeito e essa aceitação, são difíceis de viver, precisamente por um profundo alimentar de medo, de arrogância, duma suposta superioridade. No entanto, tal não significa simplesmente tolerar ou aceitar, muito menos permitirmo-nos ser humilhados, pisados ou destruídos, bem pelo contrário, pois é através dessa visão que somos capazes de verdadeiramente dizer um não, de colocar limites, de impor o nosso espaço pessoal.
O que para nós é o outro é, também, e na verdade, um espelho de nós mesmos. Todos aqueles que connosco se cruzam oferecem-nos algo, e nós fazemos o mesmo para com eles. Muitas vezes, esse outro reflecte coisas que podemos ou não gostar, mostra-nos pontos que podemos precisar de ver em nós, de trabalhar, de resgatar e curar. Por isso, esse lugar do outro nem sempre é bonito e suave para nós, por vezes é precisamente o inverso, é desconfortável, é áspero e desafiador. Contudo, é desta constante interacção que podemos crescer e elevar-nos, que nos podemos melhorar enquanto seres humanos, mas é também ela que nos pode levar a fazer as coisas mais absurdas, desumanas e destrutivas. Tudo depende da forma como estamos ligados à vida, ou se dela estamos desconectados, se vemos a beleza dos dias e de tudo o que nos rodeia, ou se simplesmente apenas vagueamos, agarrados ao passado, às expectativas e ao que não existe, presos a padrões e medos.