Viver é uma experiência de profunda intensidade. É essa força, essa intensidade, que nos impulsiona, que nos dirige para o cumprimento de quem nós somos. Ela é, na realidade, a simbiose de tudo o que somos, mas a sua origem está naquilo que melhor nos representa enquanto seres humanos: a vivência e a expressão dos sentimentos e das emoções. Contudo, como bem sabemos, esta dimensão do nosso ser é muito poderosa e extremamente difícil de ser vivida, até porque o seu grande propósito não é algum tipo de compreensão ou controlo, mas sim a pura vivência de experienciar o que ela nos oferece, dela nos nutrirmos, de através dela nos elevarmos.
Acredito que o grande propósito da experiência humana é a vivência do amor, não aquele bonitinho, incondicional e muito “luminoso”, mas sim o amor terreno, com tudo o que ele nos oferece e nas suas mais diversas formas e expressões. Este amor que o plano terreno nos oferece é intenso, profundo, avassalador, e ao mesmo tempo suave, cuidador, sereno, uma autêntica viagem pela dimensão da própria existência humana. Esta vivência é, no fundo, a experiência da nossa dimensão emocional, e elas levam-nos a todos os espectros deste plano, desde o lado luminoso ao sombrio, ainda que este último seja difícil de ser vivido.
Ao longo dos tempos, devido à forma como a nossa sociedade foi formada, em termos de conceitos estruturais, morais, religiosos e filosóficos, separámos tudo em duas partes opostas que, aparentemente, vivem numa luta constante uma contra a outra. Dum lado temos as coisas boas, o Bem, o correcto, o certo, o aceitável, que contrasta com o outro lado, o das coisas más, do Mal, do que está errado e imoral. Hoje ouvimos muito essa expressão nas mais diversas áreas, como a luta do bem contra o mal, ou a superioridade das “pessoas de bem”, e tal é o puro reflexo desta dimensão da nossa humanidade exponenciada pelos tempos de extremos que vivemos.
As emoções também sofreram, ao longo dos tempos, de séculos, esta divisão, e todos nós fomos construídos nesse pressuposto de compreensão e entendimento desta dimensão do nosso ser. Crescemos a acreditar que existem emoções boas e emoções más, que umas podemos viver, mas das outras precisamos de fugir, de evitar, de travar o seu desenvolvimento em nós. Ao fazê-lo, castramos de nós mesmos uma parcela deste caminho e, ao fazê-lo, criamos um problema que, em algum momento, tem de emergir e, com ele, trazer tudo o que em nós fica guardado e que precisa de ser trabalhado.
As emoções são água, assim nos dizem simbolicamente todas as linguagens, e, por isso, o seu impulso e o seu instinto é o movimento, o fluir, alimentando tudo por onde passa, gerando a vida.
Fomos educados e formatados para não experimentar nem vivenciar as expressões mais duras e pesadas do nosso campo emocional, como o ódio, a raiva e a revolta, entre tantas outras. Fomos levados a, de certa forma, fugir delas, considerando-as erradas e maléficas para o nosso ser, o que nos leva à vivência de culpa e frustração, que tudo amplifica, tornando-se uma bola de neve destrutiva do nosso ser. É preciso também compreender que emoção e sentimento são duas coisas diferentes, mas que estão profundamente conectadas, formando esse campo que chamamos de emocional. Sentimentos e emoções alimentam-se e dão sentido um ao outro. Quando ganhamos esta compreensão, esta dimensão ganha uma nova proporção em nós e conseguimos vivê-la de forma mais consciente.
Viver nas posições extremadas é sempre um problema, pois esses limites servem para ganharmos experiência e adquirirmos compreensão das coisas. Ao irmos de um lado ao outro, vamos crescendo em consciência e reduzindo estes extremos, serenando o nosso espírito e, assim, desenvolvendo-nos em progressiva paz e aceitação. Contudo, a experiência humana é intensa, pedindo-nos esta vivência dos diversos sentimentos e emoções constantemente, mas crescendo através do que eles nos trazem.
Quando vivemos excessivamente nas emoções bonitas, serenas e “fofinhas”, desconectamo-nos da realidade terrena, onde crescemos através da dor, onde viemos superar os obstáculos que fazem parte da nossa aprendizagem e onde o ego é um aliado fundamental. Desconectados, esquecemo-nos do propósito terreno e, mais cedo ou mais tarde, seremos relembrados dessa realidade através de algo que nos leva ao outro lado da experiência, de forma bruta, intensa, acutilante e violenta. Da mesma forma, quando vivemos excessivamente nas emoções densas e pesadas, ficamos encarcerados nas coisas da matéria, presos no sofrimento, vivendo em medo constante e por ele paralisados. Aqui, a realidade leva-nos mais fundo para recuperarmos a esperança, o amor e a própria vida, para com elas nos conseguirmos projectar na beleza do nosso ser.
Fugimos tanto das coisas mais “feias” que, sem nos apercebermos, ficamos presos nelas. Fugimos da vitimização e, sem sequer termos consciência, tornamo-nos vítimas. Não queremos lidar com os medos, na esperança de nos tornarmos corajosos, com a velha postura do “sempre em frente”, que estamos em constante escape, em círculos à volta dos nossos próprios medos. Invariavelmente, tornamo-nos no que mais abominamos, tão simplesmente porque nos recusamos a olhar para essas parcelas do nosso ser, a trabalhá-las com amor, não por elas, mas por nós mesmos, permitindo-nos assim curar as feridas que estão em nós registadas.
O propósito desta dimensão humana e terrena é a experiência das emoções, de todas as que fazem parte do nosso caminho, dando-lhes o lugar certo e o tempo exacto. Se as mais serenas e luminosas são geradoras de vida, de beleza, as mais densas e pesadas são, na verdade, enormes impulsionadoras, criadoras até, quando as sabemos trabalhar. São estas emoções mais duras, como a raiva ou a revolta, que podemos abraçar para nos impulsionar, que podem ser combustível para avançarmos.
Contudo, todo o combustível precisa duma ignição e é aqui que necessitamos de ter atenção. Se, ao vivenciar estas emoções mais “negativas”, os impulsionamos com sentimentos de medo, de ódio ou outros neste tipo de vibração, então mergulhamos numa espiral autodestrutiva, aprisionados por um ego magoado e ferido. Tornamo-nos seres sem vida humana, sem alma, apenas corpos em profunda decomposição. No entanto, se pegarmos nestas mesmas emoções e as impulsionarmos com consciência, com um foco de transformação, com uma vibração de amor, então geramos libertação e vida, criamos caminhos e realidades. Elevamo-nos na nossa própria vida e transmutamos as nossas feridas, vivendo um verdadeiro processo de cura.
Na verdade, podemos e devemos viver todas as emoções que estão disponíveis neste plano terreno, nesta experiência que é a vida humana, mas nunca as podemos guardar em nós por muito tempo, nenhuma delas. As emoções são água, assim nos dizem simbolicamente todas as linguagens, e, por isso, o seu impulso e o seu instinto é o movimento, o fluir, alimentando tudo por onde passa, gerando a vida. A água parada, por muito pura que seja no início, vai inquinar, vai ficar cheia de limos e impurezas, vai ser contaminada por elas, tornando-se imprópria para consumo ou para alimento.
Quando controlamos as nossas emoções, e viver sempre nas que consideramos “positivas” também é controlá-las, estamos a travar o seu fluxo e é nele que residem os seus maiores ensinamentos, mesmo quando parece não existir. No oceano, a água aparenta estar quieta, mas, na verdade, está em constante movimento. No oceano, esse movimento é um fluxo sereno e muito constante, mas que, por vezes, também precisa das tempestades, das ondulações fortes, até mesmo de eventos mais intensos, para limpar, para libertar tensão e gerar novas correntes de vida. Da mesma forma, as emoções precisam de encontrar em nós um fluxo que, com o tempo, compreendemos que é, na verdade, a forma mais aprimorada e bela de saber viver a vida.