O mundo em que vivemos está cheio de tantas coisas, verdadeiramente saturado de informação e acontecimentos. Invenções fantásticas mudaram as nossas vidas nas últimas décadas, as distâncias encurtaram-se, estamos a um clique uns dos outros, sempre virtualmente ligados, mas muito mais agarrados aos ecrãs, neles absorvidos e pouco disponíveis para o mundo que está à nossa volta. Neste frenesim, nesta aceleração, neste imediatismo que tanto nos caracteriza, perdemos a capacidade de nos surpreender, de olharmos o mundo pelos olhos duma criança, com aquele brilho do deslumbramento, e isso corrompe-nos, destrói algumas das capacidades mais importantes que temos enquanto seres humanos.
Sonhar, imaginar, brincar, acreditar, são algumas das coisas que nos fizeram chegar onde estamos hoje, que nos levaram às maravilhosas descobertas e avanços que hoje nos definem na nossa vivência pessoal e social. Foram essas simples capacidades que, ainda que presentes noutros seres neste plano, são muito especiais em nós, humanos, nos levaram a superar-nos, a ultrapassar as dificuldades, a ir mais longe, sempre, um passo após o outro. Quando perdemos estas capacidades, perdemos também a esperança, pois passamos a viver presos numa densidade que nos impede de nos elevarmos, de trazermos ao de cima a beleza da natureza humana.
É interessante pensarmos que, ainda que vivamos num mundo que contém muitas características do elemento Ar, mais mental, mais comunicacional, com maior acesso à informação, com mundos inventados nos quais entramos, através dos filmes, dos jogos de computador, estamos mais densos, mais pesados, como um ar frio, gélido. Digo sempre que a melhor forma de entendermos as coisas da vida, nomeadamente quando pensamos na natureza elemental das coisas, é olhar mesmo para o comportamento dos próprios elementos no mundo que nos rodeia. Nesse sentido, podemos perceber que o ar fica pesado quando é frio, e tal significa que a nossa mente densifica-nos quando é desprovida duma interacção com as nossas emoções e quando perdemos o fogo da vida, a candeia da esperança, a chama da nossa centelha divina.
Este é o problema que vivemos hoje, nomeadamente entre aqueles que mais deveriam sonhar, acreditar, imaginar e brincar, os mais jovens, que estão densificados e presos numa realidade virtual, que “vivem” nos jogos e nas relações via rede social. Essa realidade, que é transversal a todos nós, que percorre todas as gerações, na prática, está a corroer-nos, a tornar-nos mais desconectados e autocentrados, esquecidos da beleza do mundo em que vivemos, alheados da realidade do que, nós próprios estamos a construir.
Felizmente, hoje, vamos tendo alguns sinais de mudanças, de tomadas de consciência, ténues vislumbres ainda, mas que, acredito, crescerão com o passar do tempo e acabarão por empurrar as mudanças que são tão necessárias neste mundo, nas sociedades em que vivemos, das mais pequenas coisas, às mais gigantescas. No entanto, precisamos de nos reconectar, de voltar a olharmos uns para os outros, de nos recordarmos que o mundo avança quando o que cultivamos é amor e não medo. O medo, tão semeados nestas décadas, destrói, corrompe, aniquila, mata, fecha-nos e encerra-nos, densifica-nos.
Quando olhamos para tanta gente, e muitas vezes para nós mesmos, fechados em ecrãs de telemóvel, de computador, de tablets e televisões, encerrados em relações virtuais, isolados do mundo, vemos a expressão do medo trazido para a realidade. Paradoxalmente, vemos também que, quando há uma tentativa de sair desses isolamentos, às vezes mesmo uma necessidade, entram-se nos extremos, nas carências e dependências, nos exageros, no abuso e violência. Tal acontece, puramente, porque vivemos uma humanidade que está desequilibrada, que está descompensada, e isso vê-se facilmente através do que consideramos, individual e colectivamente, como prioridades em termos do uso dos nossos recursos. A natureza, a Terra, trabalha isto de forma simples, equilibra-se constantemente e de forma perfeita, mas nós, humanos, vimos a este plano com um ego, e é sobre ele que, tantas vezes, necessitamos de nos debruçar, não para o eliminar ou restringir, mas sim para o integrar e torná-lo saudável, pois também ele é uma parcela de quem somos.
O mundo está cinzento e escuro, porque deixámos de ver a vida com as cores que ela realmente tem, porque fechámo-nos ao longo de tantos anos, porque fomos educados e construídos numa vivência de competição, de autossuficiência, de isolamento, de divisão.
Necessitamos de nos reconectar, sem dúvida, à humanidade que somos e que nos habita, mas tal não pode acontecer sem o fazermos primeiro connosco. O mundo está cinzento e escuro, porque deixámos de ver a vida com as cores que ela realmente tem, porque fechámo-nos ao longo de tantos anos, porque fomos educados e construídos numa vivência de competição, de autossuficiência, de isolamento, de divisão. A percepção da cor do mundo que nos rodeia provém da luz do Sol que nos chega e, da mesma forma, a percepção da beleza da vida provém da Luz que nos habita, do Sol que reside dentro de nós e da sua força. Se nos fechamos em nós mesmos, se nos isolamos, sob uma ilusão de nos abrirmos ao mundo, somos bombardeados, preferencialmente, com o medo, com o problema, com a desgraça, com as previsões sempre desoladoras e fatídicas, e essas paredes encerram-nos, retiram a nossa luz e encerram-nos num mundo sem beleza.
Dentro de nós existem feridas, padrões e medos enraizados, e são eles que precisamos de trabalhar, mergulhando em nós, compreendendo o que guardamos nos nossos corações que já não nos pertence e que, na verdade, apenas nos destrói. É nessa compreensão, que não pode ser feita por revolta ou raiva, pois isso é alimentar o que já nos faz mal, que vamos retirando as armaduras, as capas e as máscaras, que nos entregamos a nós mesmos e começamos a reconectar-nos com a nossa essência. Esse é um trabalho de profundo amor, de muita compaixão e autocuidado, que começa, sem dúvida, connosco, individualmente, mas que quando é feito, abre-se para o mundo que nos rodeia e nos permite voltar à nossa humanidade e à nossa vida.
Quando nos religamos e reacendemos a nossa luz, a vida começa a ter outras cores, porque voltamos a imaginar, voltamos a sonhar, voltamos a acreditar, mas, principalmente, porque voltamos a deslumbrar-nos, a sentir o calor no coração da visão de um mundo que tem sempre algo de novo para nos mostrar e ensinar. É esse deslumbramento que nos permite ir mais longe e alimentar a vida, trazer-nos paz e serenidade, retirando os véus e abrindo a nossa visão. Talvez por isso, o deslumbramento seja uma peça essencial nos tempos que vivemos, pois é ele que despoleta a esperança, que acorda a fé, que abre caminho para a manifestação da beleza da vida.