Acredito em magia, por várias vezes já o referi em artigos que escrevi ou em posts nas redes sociais. Quando era criança, tinha dentro da minha mente um mundo inteiro de enorme magia, onde havia feiticeiros e magos, varinhas de condão, espadas e cavaleiros, perigos escondidos, universos fantásticos, um enorme espaço para descobrir numa nave espacial. Ao mesmo tempo que sabia que tal não era a realidade em que eu vivia, também era lá que, sendo filho único, tímido e muito introvertido, desbravava os limites de tudo o que me era conhecido e encontrava um lugar onde me desafiava a ir mais longe.
Hoje, adulto, continuo a acreditar em magia, não a dos filmes, mas aquela que, sei, existe em cada um de nós, que não precisa de conjurações ou palavras estranhas, mas que reside em cada parcela do nosso ser, em cada molécula, em cada célula, em cada átomo. É essa magia que nos confere a capacidade de criar, de gerar, de imaginar e trazer da fagulha do espírito até à matéria, encontrando pelo caminho a manifestação da mente e o alimento do coração. É esta capacidade, este poder, que nos torna semelhantes a essa concepção que chamamos de Deus, que nos torna verdadeiros canais, como o Mago, a primeira carta dos Arcanos Maiores do Tarot nos mostra.
Com o passar do tempo, com o nosso crescimento e as responsabilidades que com ele advêm, vamos perdendo a maleabilidade, vamos cristalizando nas obrigações e os medos da vida adulta começam a dominar os nossos pensamentos e as nossas acções. Esquecemos, como na história do Peter Pan, que um dia fomos mágicos, feiticeiros, que na nossa mente criaram-se mundos fantásticos e que, para nós, essa era uma das realidades, que alternava com as aulas na escolha, os trabalhos de casa ou o arrumar a cama. Alternava, mas não desaparecia, mesmo para aqueles que viviam entre muitas dificuldades, a quem a comida até podia ser escassa na mesa, a quem a realidade dura da vida invadia o seu espaço. Mesmo para esses, principalmente para eles, a magia era mais forte, o seu mundo interior mantinha-se vivo, permanecia, forte, resiliente, extraordinário!
Os tempos mais desafiadores, sejam nas nossas vidas, sejam no mundo, ou nos dois ao mesmo tempo, são aqueles que mais nos pedem essa busca pela magia, o recordarmo-nos dessa capacidade, trazendo-a para o presente, para o agora, actualizando-a para que ela não se torne em algo que, na verdade, em vez de nos auxiliar, é apenas mais um poço fundo onde nos metemos. Se não tivermos consciência de quem somos e do nosso percurso, essa busca por uma capacidade que foi esquecida torna-se um meio de fuga, um desviarmo-nos de nós mesmos, uma verdadeira ilusão e apenas mais uma forma de nos perdermos.
Acredito que existe magia em cada um de nós e que é ela que nos permite ultrapassar muitos obstáculos. Essa magia não é sorte nem sequer destino, mas sim Poder. O grande problema do nosso crescimento, do entrar na realidade da vida e das responsabilidades é que nos esquecemos do poder que reside em nós, perdido entre os medos e as coisas da matéria, entre formatações e educação, entre o desenvolvimento da nossa personalidade e identidade balizados nessas premissas. Nesses passos, esquecemo-nos de quem somos e de tudo o que somos capazes quando acreditamos, quando nos alimentamos de fé, de esperança, de amor.
Isto não quero dizer, nem sequer seria correcto pensar dessa forma, que o mal está nas coisas da matéria, que as devemos esquecer – bem longe disso! Esse é o problema que muitas vezes encontramos e que apenas alimenta maior sofrimento, o de estarmos sempre nos extremos, de irmos dum lado ao outro em fuga constante de nos olharmos e nos redescobrirmos. As responsabilidades, a vida em sociedade, as obrigações e necessidades do quotidiano fazem parte da aprendizagem que a Terra nos traz, deste caminho de evolução que aqui percorremos, sem os respeitarmos e cumprirmos não conseguimos integrar o tanto que aqui nos é oferecido, mas também não podemos permitir que a nossa essência fique a tudo isso aprisionada, de tal forma que nos esquecemos do que é viver.
Olhamos para o mundo “lá fora” e vemos tanta gente que apenas sobrevive, esquecida da sua centelha, da faísca que habita o seu coração, da magia que nela reside. Esquecemos da criança que um dia fomos, que imaginava e criava e, sem saber, trazia em si a sabedoria do Universo, das dimensões, da Fonte e do Divino. Agora, adultos, essa redescoberta é sempre feita por um caminho de iniciação, de quebra das amarras que nos impedem de ser felizes, de morte de quem temos sido para a revelação da vida que em nós habita. Sair da sobrevivência e escolher a vida não é um caminho fácil, não é simples nem sequer linear, e desengane-se quem acha que é um ponto em que, ao lá chegarmos, já não voltamos a errar. Viver é errar, aprender, cair e levantar. O que fazemos com isso é que é o que marca verdadeiramente a diferença.
Hoje, adulto, continuo a acreditar em magia, não a dos filmes, mas aquela que, sei, existe em cada um de nós, que não precisa de conjurações ou palavras estranhas, mas que reside em cada parcela do nosso ser, em cada molécula, em cada célula, em cada átomo.
Ao redescobrirmos a magia em nós, conseguimos compreender que não somos meros peões neste percurso que é a vida terrena. Muito pelo contrário, somos as peças principais deste xadrez, reis e rainhas, criadores dos nossos próprios caminhos e impulsionadores das nossas próprias realidades. Quando as coisas se tornam mais difíceis, quando os desafios são tão pesados que parecem intransponíveis, é quando precisamos de parar um pouco e olhar para dentro de nós, o inverso do que naturalmente fazemos, pois fomos educados para pensar que essa paragem é fraqueza, é desistência, é preguiça e que, por isso, temos de estar sempre em movimento, o que nunca traz os resultados que pretendemos.
É nesse centrar, nesse voltar a nós, nesse foco interno, que temos a capacidade de resgatar o nosso poder e de entender o que nos está a ser pedido. Escrito e dito desta forma parece fácil, mas tenho a plena consciência que não o é. Dominar a magia que existe em nós é, como nos filmes e nas histórias vemos nos iniciados, um trabalho de dedicação plena e constante, de foco, de determinação, que implica muitas vezes aquele errar que referi acima e com isso aprender a fazer e a ser melhor. É também compreender, aceitar e integrar que nada está fora do sítio nem do seu lugar certo, tudo faz parte do caminho que estamos a percorrer e é dessa forma que devemos encarar. Contudo, fomos sempre levados a acreditar que o que é bom é efémero e o que é difícil é uma enorme montanha que se perde de vista.
Entender que tudo o que nas nossas vidas existe é parte do caminho, que é consequência de escolhas feitas, consciente ou inconscientemente, coloca nas nossas mãos a responsabilidade por nós mesmos e retira-nos do lugar da vítima duma coisa qualquer. É com essa consciência que conseguimos recordar-nos do poder que em nós reside, recordando a criança que não era inconsequente, mas sim inocente, que não tinha medo de algo, não porque nunca o tivesse vivido, mas porque existia algo maior em si que a levava a seguir em frente – a curiosidade, a vontade, a alegria, a determinação.
Nestes dias que vivemos, que são muitas vezes sombrios, que parecem como nuvens escuras que caminham no horizonte em direcção a nós, escondendo o sol e a luz, o que nos está a ser pedido é esse voltar para dentro de nós, o acender da fagulha que existe em cada um de nós, que não vai aquecer o corpo quando o frio é mais uma ameaça, mas que nos aquece a Alma. É de e com a Alma que conseguimos tomar as decisões mais importantes, mas também as mais difíceis, que conseguimos largar o que não mais nos faz falta nem nos faz bem, que conseguimos ter a certeza de que, no meio da tempestade, há sempre, em algum momento, uma brecha, um rasgo de luz que forma um arco-íris, pura magia que aos nossos olhos é revelada e que nos traz a esperança, alimento maior da vida.