
Vivemos tempos muito especiais e importantes, digo-o muitas vezes, com muitos processos e temas para trabalharmos. Estamos todos, com maior ou menos consciência, a sentir a sua densidade, não só emocional ou psicologicamente, mas também no nosso corpo físico. Sentimo-nos pressionados, apertados, levados ao limite, e isso é visível, não só em nós mesmos, quando nos permitimos observar o nosso interior e olhar para as nossas questões, mas também, e substancialmente, no mundo que nos rodeia, onde os acontecimentos reflectem os processos que estamos a viver enquanto humanidade.
O mundo mudou, está a mudar e vai continuar a transformar-se. Esta é, provavelmente, a maior verdade e a maior certeza destes tempos. Esta mudança é visível e palpável através de todos os processos e vivências que nos estão a ser colocados nas mãos e oferecidos para deles nos responsabilizarmos e tomarmos consciência. O ser humano não gosta de mudança, ainda que ela seja a maior constante que poderemos ter, e tem, perante ela, uma enorme predisposição para a resistência, o que, muitas vezes, tem um preço muito alto, e é essa vibração que podemos observar ao nosso redor.
Hoje, se pararmos um pouco para sentir o que estes tempos nos trazem, conseguimos perceber que estamos numa espécie de ponte entre duas realidades. As transformações que temos vivido ao longo das últimas décadas, que ganharam força e forma nos últimos três anos, têm mudado a nossa vida em muitos aspectos, mas também têm trazido ao de cima questões e feridas que precisam de ser encaradas, trabalhadas e curadas. Nestes últimos anos parecemos estar a viver uma sequência de sismos violentos que deitam abaixo estruturas que tínhamos como certas e impossíveis de serem modificadas. Contudo, como podemos facilmente perceber, estes são os tempos em que o que está podre, caduco e que já não serve o nosso crescimento tem de cair, pois o caminho que se está a abrir é uma nova oportunidade e, para ela, independentemente do que escolhermos fazer, não podemos levar estes pesos connosco.
Uma coisa é certa, com o tanto que está a ruir, são inúmeras as possibilidades de fazer algo novo, diferente, melhor, mais humano, com maior consciência, mais baseado em amor, em verdade, e não na ilusão, que agora conseguimos e podemos compreender, das coisas da matéria, do poder, da ganância e do orgulho.
Se dum lado da ponte temos esta realidade que está a ruir, que nos pede para trabalharmos as tais feridas, padrões e questões, do outro há um novo caminho sobre o qual temos a possibilidade de fazer diferente, de fazer melhor. No entanto, não sabemos o que existe desse outro lado, nem sequer o que vamos encontrar, e isso deixa-nos na instabilidade e na incerteza, algo que nós, enquanto seres humanos, não sabemos viver. A realidade, porém, é que não podemos saber, pois nada está construído e tudo dependerá do que quisermos, em consciência, fazer. Uma coisa é certa, com o tanto que está a ruir, são inúmeras as possibilidades de fazer algo novo, diferente, melhor, mais humano, com maior consciência, mais baseado em amor, em verdade, e não na ilusão, que agora conseguimos e podemos compreender, das coisas da matéria, do poder, da ganância e do orgulho.
A grande questão está na forma como temos sido construídos enquanto pessoas, enquanto parte duma sociedade e da humanidade. A construção tão densa e profunda em torno dum egoísmo, duma competição constante, da necessidade de poder e da ganância que tanto nos rodeia leva a que, perante as mudanças que nos estão a ser solicitadas, activemos os nossos padrões, os medos, a sobrevivência, e tal inflama os egos. Para alguns, que infelizmente até são muitos, como temos visto, há um profundo processo de descompensação, embarcando num fanatismo que descarrila para radicalismo, deixando de olhar o que os rodeia através das lentes da consciência, questionando, mas também permitindo-se aprender, aceitar e respeitar. Pelo contrário, essa descompensação leva a uma perda de noção, ao agarrar desesperado a dogmas como o fundamentalismo, a religião, as dualidades que o velho mundo cultivou, bloqueando o seu discernimento e corrompendo a sua própria Verdade, aquela que provém dum olhar esclarecido, claro e consciente sobre as coisas, ainda que possam (e devam) existir convicções e crenças.
No meio de todos estes processos, todos nós vamos vivendo esta pressão, estes desafios, que nos pedem, acima de tudo, um olhar profundo para quem somos, um olhar atento para quem nos propomos ser, uma consciência sobre o nosso lugar neste sistema maior e primordial que é a Terra, para depois podermos também encontrar o nosso lugar na humanidade e na sociedade. Em cada um de nós, neste momento, há a possibilidade de escolhermos. Contudo, ao contrário do que as velhas crenças naturalmente nos diriam, a escolha não está entre que lado da ponte queremos estar, não é essa a questão, pois o que está a ser desconstruído, e em muitos casos mesmo destruído, já não vai ter mais lugar.
A escolha está, na verdade, naquilo que queremos fazer com tudo o que nos está a ser mostrado, com tudo o que nos está a ser pedido e solicitado, com todas as transformações que estamos a sentir, os apelos que nos chegam de estarmos mais no coração e menos no ego. A escolha reside já no que cada um de nós quer fazer neste momento e neste novo caminho que estamos a construir. Vivemos na matéria e dela vamos continuar a necessitar, mas o que não podemos continuar a fazer é deixarmo-nos corromper e aprisionar pela sua densidade e pelas suas ilusões. A matéria deve servir-nos e não o inverso, mas o que temos vivido é esta profunda escravidão que, agora, urge em ser largada, que são amarras que precisam de ser quebradas, mas cuja força para o fazer reside apenas nas nossas mãos. Esta é, sem dúvida, a escolha que temos nas nossas mãos, da qual temos, verdadeiramente, de nos responsabilizar, e com a qual temos, de coração, de nos comprometer.