Nas nossas vidas ou no mundo que nos rodeia, os momentos mais difíceis, mais desafiadores, que trazem mais dor e abalam as nossas estruturas, são também os que trazem mais coisas à superfície, são os que mais revelam as falhas e as questões que necessitam de atenção, dedicação e trabalho. A dor desses momentos abre brechas e as feridas, muitas vezes guardadas e fechadas dentro de nós, assim como dentro da sociedade, ressurgem, inflamam e mostram o que, durante muito tempo, andámos a escolher e a construir nos nossos percursos. Hoje vivemos tempos destes, de muita pressão e muitos desafios, com questões fulcrais e profundas a serem mostradas todos os dias, ainda que muitas vezes viremos a face para o lado e nos recusemos a encará-las.
Os diamantes e as pedras mais preciosas são formados no meio das condições mais adversas e de enorme pressão e, da mesma forma, os nossos maiores potenciais provêm de caminhos que, muitas vezes, são percorridos em passos e processos de dor, que nos solicitam entrega, rendição e absoluta dedicação. Ainda que esta imagem seja muito bonita e nos auxilie a olhar para estes tempos com a esperança de que, depois destas profundas tempestades, possamos tornar-nos melhores, mais humanos, é preciso recordar-nos que estes caminhos são feitos através da purificação das feridas mais densas e profundas que existem em nós, individual e colectivamente.
Ao longo dos últimos anos, muitas das estruturas que conhecíamos começaram a ganhar novas formas. Muitas ruíram, caíram, desmoronaram, pois estavam assentes em fundamentos que já não se ajustam ao que necessitamos de ser agora. Olhamos à nossa volta e vemos um mundo em crise, em situações limite, em enorme urgência de mudança e transformação. No entanto, não gostamos de mudança, somos a ela muito resistentes, pois a densidade deste plano em que vivemos pede estrutura, segurança e conforto, e quando pensamos em mudar algo, somos confrontados com um futuro incerto e arriscar torna-se muito difícil. É nesta resistência que algumas feridas mais profundas se revelam e clamam para que as encaremos e trabalhemos, pois sem a sua cura, a humanidade irá, certamente, perecer.
Uma das enormes feridas com que hoje nos confrontamos é a ganância, que nos rodeia e que a cada dia se torna mais visível e pesada. Os tempos de maiores crises, nomeadamente as que afectam as economias, são também os tempos de revelação desta ferida tão profunda que o ser humano tem, muito adensada nos últimos séculos. Quando mais nos é pedido solidariedade, união e compreensão, mais nos afundamos no individualismo e mais nos viciamos na ganância, insensíveis aos que nos rodeiam, ao sofrimento alheio, às necessidades básicas humanas, tudo por causa de dinheiro e de algum tipo de poder, da ilusão duma estabilidade e duma estrutura.
A ganância vence-se com compaixão, com tolerância, com empatia, e elas são caminhos onde o amor se manifesta e se expande, são bálsamos que nos preenchem a alma e nos alimentam em serenidade e paz.
A ganância é um verdadeiro pecado capital, não num sentido religioso e teológico do termo, mas sim numa profunda consciência, a de que é um vício que nos corrompe a alma e que nos retira da nossa humanidade. Quanto mais vivemos presos a ela, quanto mais ela nos engole e nos densifica, mais pobres, na verdade, ficamos, pois ela esvazia-nos a alma. Quando vivemos estes tempos de crise, quando somos abalados nas nossas estruturas, o medo chega até nós, percorre a nossa mente e, encontrando espaço, toma o controlo das nossas vidas e desvirtua-nos, activa a ferida, adensa-nos nela até nos tornarmos, como vemos muitos à nossa volta, apenas pedaços de matéria que sobrevivem e pairam sobre esta Terra.
É claro que o dinheiro e as posses são importantes, que o bem-estar e a estabilidade são valiosos, mas, na Terra, neste plano que escolhemos viver, eles existem para nos servir e não o inverso. Quando olhamos à nossa volta, contudo, vemos, infelizmente, muitos que se tornaram escravos da matéria, muitas vezes sem quererem e sem terem essa intenção, mas ficando a ela presos por coisas insignificantes. Todos nós merecemos mais e melhor, merecemos riqueza e prosperidade, coisas boas e bonitas, conforto e mesmo luxos. Todos nós somos merecedores de todas as coisas maravilhosas que este plano terreno nos pode oferecer, sem excepção e na proporção justa do que demos para lá chegarmos, da nossa dedicação e esforço, mas não podemos viver dependentes disso, pois facilmente nos corrompemos.
Em todos nós, mesmo qualquer um de nós, esta energia da ganância reside, como tantas outras feridas que se fazem presentes na humanidade. Nenhum de nós é a ela ou a qualquer outra imune, pois elas são parte da experiência terrena, parte deste percurso. No entanto, em cada um de nós há uma escolha, uma vontade, uma consciência que precisa de ser trabalhada. Se é o medo que activa estas feridas, então é quando voltamos para o nosso coração, para o amor, que temos a possibilidade de as curar e delas extrair a essência que nos permite elevarmo-nos e nos tornarmos melhores, como os anticorpos que obtemos após termos uma doença.
Quando olhamos o mundo em que vivemos, nomeadamente neste espaço que, ironicamente, chamamos de mundo desenvolvido, compreendemos como a ganância nos tem corrompido e como nos está a ser solicitado trabalharmos sobre esta ferida. Contudo, esse trabalho começa em cada um de nós, não numa observação, numa autocrítica e em julgamentos sobre nós mesmos, em busca de onde somos gananciosos, ainda que seja importante termos essa visão, mas sim numa consciência profunda de onde precisamos de mais amor, de como e onde podemos dar mais amor, de como podemos fazer essa diferença, em nós e nos que nos rodeiam. Embora isto possa parecer ilusório ou até uma dessas conversas vazias que ouvimos muito na área que chamamos de espiritualidade, a verdade é que isto está ao nosso alcance e é muito mais simples do que parece.
A ganância vence-se com compaixão, com tolerância, com empatia, e elas são caminhos onde o amor se manifesta e se expande, são bálsamos que nos preenchem a alma e nos alimentam em serenidade e paz. A humanidade está doente, é um facto que podemos facilmente constatar, mas todos fazemos parte desta mesma humanidade, e é também nas mãos de cada um de nós que reside a cura, com pequenos gestos, com pequenos pensamentos, com o saber-nos colocar no lugar do outro, sabermos ouvir o outro em quem ele é, mas também sabermos colocar os nossos limites e dizer os nãos necessários, pois amar também é largar, romper, deixar ir, em profunda consciência.
Nestes tempos tão profundos, em que existe, efectivamente, o potencial de resgatarmos valiosos diamantes, de nos tornarmos melhores e mais humanos, de erradicar diversos problemas, precisamos de voltar à maior riqueza que existe em nós, a Vida. Quando nos recordamos do que é a Vida, voltamos à sua essência, o Amor, compreendendo que é nele que precisamos de nos reconstruir. É assim, nesta consciência, que podemos sentir em nós um verdadeiro Amor Capital, a cura de todos os grandes males que estão a destruir a humanidade que nos foi oferecida desde o princípio dos tempos.