Os tempos de mudanças e transições energéticas, como o que estamos a viver, são sempre de desafio e alguma turbulência. Eles funcionam como pontes que, individual e colectivamente, atravessamos, que nos levam duma realidade, dum conjunto de condições, valores, certezas e verdades que, na prática, já não funcionam e não nos permitem crescer, para outra estrutura, outra dimensão do nosso ser, de funcionamento da nossa sociedade e do mundo, que reflecte os caminhos que fizemos ao longo de algum tempo e abre as portas para novos caminhos e novas construções. Estas pontes são, muitas vezes, como montanhas que subimos, onde os ventos são fortes, onde facilmente nos perdemos, onde o nevoeiro, muitas vezes, se instala, mas onde, também, encontramos preciosidades, dádivas de beleza única e muito alimento para processos muito importantes de resgate da nossa essência.
O ego humano não gosta de mudança, ainda que todos os dias vivamos mudanças, seja nas nossas células, seja nas coisas mais mundanas da nossa vida. A mudança é uma constante, e uma das poucas certezas das nossas vidas. Contudo, a nossa dimensão terrena, manifestada logo pelo nosso corpo físico, pede estrutura, anseia por conforto, por controlo, pela previsibilidade das coisas. Tudo o que possa sair dessas condições vai causar-nos algum tipo de stress e ansiedade, principalmente nestes momentos mais desafiadores e conturbados, momentos extraordinariamente importantes para todos nós, enquanto humanidade.
Perante estas condições, existem princípios, valores e atitudes que nos são solicitados, como um pedido para podermos voltar às coisas mais básicas da nossa existência humana e repensá-las, resgatá-las e reintegrá-las na nossa própria consciência. Quando tudo muda é quando mais precisamos de nos recordar do carácter mutável da nossa existência e compreendermos que necessitamos de ser, ao mesmo tempo, como a água e como a árvore, duas grandes mestres e sábias deste planeta, que têm, entre muitas outras qualidades, duas que são essenciais: a paciência e a humildade.
Podemos pensar que a água e uma árvore não têm consciência para manifestar duas virtudes em si mesmas, mas esse pensamento é apenas fruto dum desligamento que ao longo de centenas de anos fizemos em relação ao mundo e à natureza que nos rodeia e nos acolhe, que gera uma soberba que, na verdade, nos poderá custar a própria extinção. Água e árvore não são seres pensantes nem conscientes como nós, mas são energia, tal como nós, e contêm em si mesmas vibrações que nós, humanos, podemos identificar como virtudes, como catacterísticas que, normalmente, só atribuiríamos a outros seres humanos.
O Tempo é o grande mestre aqui na Terra, o grande dimensionador da nossa existência, e, também ele, é paciente e humilde.
Muitas vezes, precisamos de ser como a água que, no seu propósito maior de retorno ao oceano, se permite levar, guiar e orientar, muitas vezes pelas próprias adversidades que lhe surgem no caminho. Perante a rocha, a água não se detém e, assumindo uma parte complementar da própria forma da rocha, torna-a um caminho, contornando-a. Nessa espécie de postura, em que a água assume os contornos da rocha, ela humildemente se entrega ao seu próprio obstáculo, fazendo dele uma parte importante da sua aprendizagem, ajudando até a rocha a limpar-se de limos e outras sujidades, polindo-a ao longo do tempo até se tornar um seixo que uma criança, quem sabe, um dia poderá pegar, admirar e levar para casa.
Da mesma forma, perante uma barreira, um dique ou uma barragem, a água acumula-se, pacientemente, novamente tomando a forma do obstáculo e procurando, ou até criando, um caminho, uma brecha, um pequeno canal. A paciência confere à água força, resiliência e resistência, transforma-a, molda-a para que ultrapasse ou quebre o obstáculo e, a seguir, ser novamente fluxo.
Com esta mesma consciência, nestes tempos tão profundos, precisamos também de ser como a árvore que coloca as suas raízes profundas na terra e cresce em direcção ao sol, honrando-o com a sua copa, com os seus ramos, com as folhas, as flores e os frutos, tornando-se casa para tanta vida. A árvore reconhece o quanto a Mãe Terra lhe deu e lhe dá e, em profunda humildade, dá-se também a toda a vida que a rodeia. É esta verdade, presente em cada célula do seu ser, que a torna um dos seres com maior longevidade neste planeta, que ultrapassa gerações e gerações de humanos, tendo muitas delas o privilégio de ver povos surgirem e desaparecerem, nascimentos e mortes, guerras e paz, oferecendo a todos a mesma dádiva de casa, de alimento, de sombra e vida.
Por isso, a árvore também é profundamente paciente e compreende que só poderá crescer em direcção ao sol, tornando-se mais frondosa e bela, se também crescer para o interior da Terra através das suas raízes. Isso leva tempo, mas, na verdade, ela tem todo o tempo da sua vida disponível, ainda que não haja um segundo a perder, a protelar, a distrair-se no seu propósito. A árvore sabe que, quanto mais fortes forem as suas raízes, maior a resistência às intempéries, às tempestades e às catástrofes. É nesta paciência que a árvore se torna sábia, ganhando uma casca mais rígida e sólida, sem dúvida, mas compreendendo que é em cada momento que a vida se vive, é em cada instante que a vida acontece, é em cada momento, com tudo o que ele nos oferece, mesmo que desafiador, que se abre uma oportunidade de crescer, de evoluir, de suplantar a própria matéria.
Nestes tempos que vivemos, tão acelerados e tão intensos, tão cheios de coisas a acontecerem, tantas que nem temos tempo de processar, é-nos dada também a oportunidade de crescermos, de evoluirmos, de nos transformarmos. Como a água ou a árvore, é conjugando o fluxo da vida com a consciência de estarmos nela presentes, que, paciente e humildemente, conseguimos ver os profundos ensinamentos que os tempos nos oferecem. Por vezes é doloroso, é verdade, sentimo-nos sem chão, deixamos de acreditar em nós e no mundo, vivemos verdadeiras crises de fé, mas, com tempo, o nevoeiro se esbate, os véus rasgam-se e o caminho se revela. O Tempo é o grande mestre aqui na Terra, o grande dimensionador da nossa existência, e, também ele, é paciente e humilde.
É neste sentido que nos é pedido que, mais do que nunca, nos centremos e coloquemos as nossas raízes nos lugares certos. Tal implica também compreender que não é nas coisas da matéria que vamos encontrar terreno fértil e estruturado para podermos crescer, mas sim no que nos torna verdadeiramente humanos, nas qualidades, nos valores, nas virtudes que nos conectam com o que mais divino existe em nós. É assim que estamos verdadeiramente presentes na nossa própria vida, na sociedade, na comunidade e no mundo em que vivemos e que, enraizados, trazemos ao de cima a capacidade de gerar um fluxo de prosperidade, não só espiritual, mas também das tais coisas da matéria, essenciais para a vida neste plano, mas que nos pedem uma reaprendizagem para que não continuemos a ser a ela servis. É como a água ou a árvore, em humildade e paciência, que o nosso caminho aqui se torna mais compreensível, mais sereno e, seguramente, mais belo.