Por vezes, a única coisa que precisamos de fazer é sair do nosso lugar, mover-nos e ver tudo com um novo olhar, com uma luz própria, com um foco diferente. Cada dia que passa, neste mundo em que vivemos, este movimento singular e simples torna-se cada vez mais necessário. Até porque, ao contrário do que pensamos e do que, muitas vezes, sentimos, movemo-nos cada vez menos, vemos a vida pelos mesmos prismas constantemente, ficamos fechados, cada dia mais, em nós mesmos, e isso está a destruir-nos.
Parece um pouco contraditório face ao que vamos vivendo. Na verdade, sentimos que andamos num movimento constante, que não temos tempo para o tanto que gostaríamos de fazer, que os dias vão passando, assim como a vida. Os nossos dias são preenchidos com os mesmos ritmos e vamos arranjando coisas para ocupar o tempo, mas falta-nos propósito, foco e direcção. É isso que nos faz olhar à volta e absorver a inúmera informação que é produzida. É isso que nos faz compararmo-nos com os que nos rodeiam. Em ambos os casos, acabamos por ver, tantas vezes, coisas que não existem, que são deturpadas ou empoladas.
O ritmo acelerado do mundo em que vivemos retirou-nos das coisas mais simples e deu-nos a sensação duma constante necessidade de termos o tempo ocupado, nem que seja para compensar aquilo que sentimos que fica em falta. O trabalho e as obrigações ocupam-nos muito tempo, muitas vezes não podemos baixar a guarda, tão simplesmente porque há contas para pagar e deveres para cumprir. De tempos a tempos, lá encontramos um escape, uma viagem, um curso, alguma coisa que nos faz ter a ilusão dum desligar, que sabe bem, é verdade, mas que no final continua a deixar o vazio para ocupar.
É preciso desligar, sair do nosso lugar, reconectarmo-nos com a nossa natureza, com a nossa essência. É preciso desligar e compreender que, à nossa volta, o mundo tem um ritmo próprio, que não é o humano.
Todos nós, sem excepção, vivemos esta realidade. É claro que uma viagem, um curso, um hobbie, são importantes, e ter essas actividades é melhor do que não as ter, mas há algo que se está a tornar mais premente e essencial, que, na verdade, é matéria-prima para ocupar esse vazio e fazer com que tudo o que fazemos para lá das nossas obrigações seja, verdadeiramente, um alimento. É preciso desligar, desconectar, não do mundo em que vivemos, mas sim deste movimento frenético e insano em que nos movemos no nosso dia-a-dia.
A sociedade evoluiu muito rápido, muito mais rápido do que tínhamos capacidade de absorver e integrar. A tecnologia, essencial e que tem coisas extraordinárias a oferecer-nos, desenvolveu-se num ritmo que impediu a devida aprendizagem dos seus benefícios e problemas. Se, por um lado, ajudou-nos a resolver problemas, a suavizar-nos a vida e a possibilitar-nos fazer coisas que, doutra forma, seriam mais difíceis, ou mesmo impossíveis, por outro, trouxe questões que não previmos, desafios que não estamos a conseguir ajustar.
As distâncias encurtaram-se drasticamente e o mundo reduziu consideravelmente de “tamanho”, mas a facilidade com que chegamos à informação não foi devidamente integrada à nossa capacidade crítica, absorvendo-nos e, em muitas situações, escravizando-nos. Tornou-se cada vez mais difícil largar um telemóvel, um computador, um ecrã, e esta realidade afecta-nos a todos, trazendo-nos esse desafio de desligar como uma das enormes tarefas que temos pela frente.
É preciso desligar, sair do nosso lugar, reconectarmo-nos com a nossa natureza, com a nossa essência. É preciso desligar e compreender que, à nossa volta, o mundo tem um ritmo próprio, que não é o humano. Há uma cadência natural, plena e absoluta que, quer queiramos, quer não, suplanta todas as nossas tentativas de a alterar. Vemos isso no mundo que nos rodeia, com as alterações climáticas, que nada mais são que a natureza a recuperar o ponto de equilíbrio face à nossa actuação. Vemos isso no nosso corpo, quando a doença nos atinge e nos obriga a parar, para que cuidemos de nós.
Quando temos essa capacidade de desligar, ainda que por poucos minutos, ainda que no meio do nosso ritmo diário, tudo muda e tudo se serena. Seja numa simples viagem a pé ou de transportes para casa, seja numa maior atenção à nossa respiração, este desligar é essencial e não é preciso fazê-lo em grandes momentos. Na verdade, este desligar é muito mais eficaz quando o fazemos no meio do nosso ritmo, espontaneamente, em poucos minutos ou em pequenas acções.
É através dessas coisas simples que, na realidade, temos a capacidade de sair do nosso lugar confortável, de quebrar as cristalizações e voltarmos ao nosso centro. É nessa premissa que conseguimos ver a nossa própria vida com outros olhos, com outra postura. Só quando o fazemos é que somos capazes, também, de retirar a carga de drama que nos rodeia, esta necessidade constantemente de amplificar os medos e as ansiedades que encontramos nas notícias e nas redes sociais, que contaminam depois a nossa própria vida e nos impedem de ver a simplicidade com que a vida se rege.
Mesmo perante o maior problema, algum caminho se pode encontrar. Mesmo perante a maior dificuldade ou desafio, algo se pode fazer. Mesmo perante o impossível, há um trilho que se pode percorrer. Contudo, tal só pode acontecer se deitarmos abaixo as nossas próprias barreiras e quando percebemos que somos nós o maior bloqueador e sabotador das nossas vidas, que a dimensão dos problemas é, em grande parte, uma percepção nossa. Isto não significa que os problemas não existam ou que temos de olhar tudo com um sorriso na cara e ver sempre o lado brilhante da vida, como cantavam, de forma profundamente irónica e inteligente, os Monty Python no filme “A Vida de Brian”.
Não se trata de ignorar a realidade ou de a mascarar com positivismo tóxico, mas sim de a encarar com a humanidade necessária, permitindo que as emoções que elas nos trazem sejam expressas em toda a sua dimensão, incluindo o medo, o desespero e a dúvida, de forma que encontremos a serenidade para ver tudo de outra forma e encontrar o caminho. Quando a água cai numa cascata também faz muito barulho e cria uma espécie de neblina com as gotas que saltam, mas depois ela segue o caminho e o rio que dela se forma e se encaminha para o mar é, em maior parte do seu percurso, calmo e sereno. Encontrar esta paz interior que nos permite descobrir caminhos e soluções só é possível quando desligamos do mundo que o ser humano criou e voltamos ao mundo natural, quando observamos a natureza no seu funcionamento, quando ouvimos a nossa essência e sentimos que mais importante do que acontece connosco é o que fazemos com isso.