O mundo em que hoje vivemos está muito extremado, resultado dum conjunto de coisas que temos vivido nos últimos anos, mas também duma questão mais profunda que hoje podemos ver com maior clareza. O mundo evoluiu muito rápido, temos muito maior acesso a informação do que alguma vez tivemos, mas também do que conseguimos processar. O nosso cérebro tem vindo a ser muito acelerado nestes anos e tudo se tornou muito mais intenso. Isso é aproveitado por alguns para promover o medo, nomeadamente através da disseminação de notícias falsas, de informações incompletas e polarizadas, mas também duma ideia de que temos de saber e ter opinião sobre tudo, algo que, juntando-se à forma como fomos construídos e educados, é perigoso, pois temos de o saber, e bem, não podemos estar errados e tal amplifica divisões.
Em vez de se criarem pontes, afastam-se as margens, agudizam-se as polaridades e colocam-se “uns contra os outros”, na ilusão de que há apenas um lado certo, que é o próprio, e que se não estão connosco, então estão, naturalmente, contra nós. Nesta divisão, perde-se algo essencial, a partilha, a compreensão, o olhar para o outro, a empatia, a compaixão. Mais complexo é o facto de que, como sempre, a queda é sempre rápida e intensa, mas o levantar é sempre mais lento, mais complexo. Por isso, entrar neste ritmo alucinante, de negatividade, de promoção de medo, de extremismos, tem sido feito duma forma muito rápida e cavalgante, mas sair dele vai pedir muita dedicação, muito foco e muita persistência, principalmente porque todos estes processos quebram uma coisa muito importante, a esperança, deitando-a ao chão, consumindo-a e diminuindo a sua força. Contudo, nada poderá, alguma vez, matar a esperança e, por isso, há sempre uma pequena chama que pode e necessita de ser alimentada.
Quando a esperança diminui, como tem acontecido graças a muitos agentes na nossa sociedade e na nossa vida, perdemos muito do que nos torna humanos. É mais difícil reconhecermo-nos nesta condição maravilhosa que nos trouxe à Terra, principalmente porque temos mais dificuldade em expressar as suas características. A compaixão, o colocarmo-nos no lugar do outro, a empatia, o ouvir, a compreensão, a entreajuda, a generosidade, a dádiva, todas estas coisas que nos definem no melhor do que é ser humano, tornam-se muito mais difíceis de expressar quando a esperança diminui e tal leva-nos para um lado sombrio do nosso ser que facilmente vemos à nossa volta.
O medo leva à revolta, à frustração e à raiva, e é isso que vemos nas ruas, nas caixas de comentários nas redes sociais, nas conversas de café. Na necessidade dum alvo, dum culpado, muitos seguem as parangonas e não assumem a sua própria responsabilidade, não se focam no que está ao seu alcance para modificar a sua própria condição, a sua vida. Então, o culpado precisa de ser julgado e o carrasco que em nós habita sai com toda a força, pedindo sangue e espectáculo. Por isso, é mais fácil seguir os que, supostamente, dizem o que “o povo fala”, disseminar, sem confirmar, notícias falsas, para alimentar as nossas necessidades. O problema é que, sem saber, alimentamos, na verdade, aqueles que, nos seus lugares de destaque e de poder, sejam visíveis ou ocultos, parecem querer o bem, mas só promovem o mal.
A persistência que necessitamos, aquela que transforma, é sedimentada na esperança e no amor e manifesta-se através das coisas mais simples. Ela ganha impulso com um simples cumprimento carregado de um sorriso, com um olhar mais sereno, uma boa acção ou uma predisposição para ouvir.
É neste caminho, nesta encruzilhada em que nos encontramos, que a esperança é a força motriz necessária, mas que precisa que nela consigamos permanecer e que nela sejamos persistentes. Tudo o que vemos à nossa volta, no mundo em que estamos, na sociedade, na política, também existe e, na verdade, até começa dentro de nós, nas nossas vidas, nas nossas relações, nas nossas situações. Por isso, este medo começa em nós, este carrasco está ansioso para agir em relação às questões da nossa vida, a necessidade, a carência, a dor, está no nosso ser e urge em exprimir-se. Da mesma forma, também essa semente de esperança está no nosso coração, à espera do alimento certo para poder germinar.
Perante estes tempos mais desafiadores, perante os obstáculos que se colocam, perante a energia que nos rodeia, a forma como sentimos as pessoas à nossa volta, a maneira como vemos algumas coisas a acontecer, é preciso sermos persistentes. É esta persistência, bem dimensionada e focada, que permite mudar a forma com o mundo que nos rodeia nos afecta e também, de certa forma, colocar sementes de mudança e de esperança naqueles que até nós chegam ou com quem nos cruzamos. Porém, é preciso recordarmo-nos que esta persistência não pode ser teimosia, não pode ser fundada em verdade absoluta, em intolerância nem em inflexibilidade, senão tornamo-nos naquilo que mais criticamos e que mais temos tentado mudar.
A persistência que necessitamos, aquela que transforma, é sedimentada na esperança e no amor e manifesta-se através das coisas mais simples. Ela ganha impulso com um simples cumprimento carregado de um sorriso, com um olhar mais sereno, uma boa acção ou uma predisposição para ouvir. É assim que fomentamos a compreensão, a compaixão e a empatia e que, devagar (porque, para o bem ou para o mal, todas estas coisas precisam do seu tempo certo) conseguimos mudar um bocadinho das consciências que nos rodeiam, seja nos nossos locais de trabalho, seja em casa ou numa ida ao supermercado. Parecem coisas demasiado simples e até ridículas, parecem insuficientes, mas é assim que o caminho se constrói, com pequenos e firmes, persistentes, passos, a exacta mesma fórmula do espectro oposto, o do medo, da dúvida e da frustração. Só escolhemos é um caminho diferente.
É a persistência na esperança que salva a humanidade, pois é ela que, apesar de tudo o que se passa à nossa volta, manifesta a pureza da nossa essência. Quando tem a sua fonte no nosso coração, tudo o que fazemos é um toque mágico, uma força de prosperidade e um alimento de verdadeira vida. Não é por o mundo parecer estar a ruir que temos de ruir com ele – ainda que tal nos traga medos e dúvidas, tal não implica que nos deixemos levar por essa energia. Contudo, ser diferente, ser luminoso, no fundo, não traz sempre boas reacções à nossa volta, e é nesse preciso momento que a persistência é ainda mais importante e mais essencial. Nesta sintonia, a persistência não é uma força bruta, mas sim uma serenidade, uma paz, uma bela e profunda harmonia.