De tudo o que existe neste plano e, nomeadamente, neste planeta, o que é mais precioso e valioso é, sem margem para qualquer dúvida, a Vida. Não uma vida em específico ou algum tipo de vida em concreto, mas toda e qualquer uma, seja a humana, a animal, a vegetal ou até mesmo aquela que, mesmo não se vendo a olho nu, existe. Todas, sem excepção, têm essa dimensão, acima de tudo, por serem uma verdadeira expressão do que mais divino existe aqui na Terra. No entanto, como cada dia vemos, essa verdade tem sido esquecida de forma grotesca, violenta e sem sentido, muitas vezes em nome duma qualquer “fé” (que de tal tem muito pouco) ou de um poder que só provém do medo, das inseguranças e dum alimentar do ego.
O valor da vida não se mede em algo que conhecemos aqui neste plano, em dinheiro ou qualquer coisa da matéria. Não há pedra ou metal precioso que se equipare a uma vida. A vida é divina e, por assim o ser, torna-se sagrada. A vida na Terra é a manifestação e a materialização duma partícula do que podemos chamar de Deus aqui neste plano, uma Centelha Divina que, no caso humano, através da Alma, habita o corpo. É essa sacralidade que nos liga uns aos outros, que nos permite conectarmos, que verdadeiramente nos une. Quando olhamos atentamente, percebemos que é essa sacralidade que temos esquecido, que tem sido perdida na nossa evolução colectiva.
Ao contrário do que podemos pensar, este desligamento não foi provocado por uma desconexão de Deus ou de alguma religião. Apesar de haver regiões do mundo mais desligadas de religiões, a verdade é que maior parte das populações continua numa ligação muito profunda (e até radical) com as suas crenças e práticas associadas a elas. Na verdade, quando olhamos bem, o desligamento da sacralidade da vida aconteceu por uma desconexão com as nossas raízes, com a Terra, com a nossa mais primordial e basilar origem, mas também, e ao mesmo tempo, por um desligamento da nossa dimensão espiritual que nada tem a ver com religião. Sem estas ligações, existimos apenas, pairamos sobre a Terra, sem verdadeiramente viver.
Quando nos recordamos da divindade da nossa própria vida, quando voltamos ao nosso centro e ao nosso coração, quando deitamos abaixo os medos que nos consomem, conseguimos ver o outro como irmão, como parte de nós, como partícula da mesma Fonte.
O nosso propósito é terreno, o nosso caminho é a encarnação, sem este plano e tudo o que ele nos oferece, o Espírito não consegue aceder a uma aprendizagem extraordinária, crucial e poderosa. Por isso, a cada um de nós é oferecida uma vida que precisamos de viver, de integrar e respeitar, em comunhão profunda e total com todas as que nos rodeiam. É nesse respeito profundo que nos reencontramos na nossa essência, com a ajuda preciosa de todos os que coabitam connosco neste plano em cada estágio pelo qual passamos.
Se cada um de nós simplesmente surgisse e existisse sozinho, de repente, num planeta qualquer, árido e sem vida vegetal ou animal, nada aprenderíamos, de nada serviria a encarnação. Não precisávamos de identidade nem de propósito de individualização, pois não teríamos o outro para crescer connosco, não teríamos vidas à nossa volta para cuidarmos e nutrirmos. Simplesmente existiríamos, sem qualquer propósito de crescimento.
No entanto, quando observamos o mundo, vemos que esta já é uma realidade na existência de muitos neste planeta, que alimentam os seus egos diariamente com medos, com fanatismos e extremismos, com necessidades de poder. Esse alimento leva a que o ego, como mecanismo essencial de sobrevivência, se sinta ameaçado e isso fá-lo criar uma divisão nefasta e destrutiva, uma visão do mundo em extremos e uma postura de “eu contra o outro”, do “comigo ou contra mim”. Nessa posição, nessa verdade alimentada por um lado sombrio da nossa existência, que naturalmente existe por ser um dos desafios de aprendizagem que este plano nos oferece, esquecemo-nos da sacralidade da Vida, de toda a Vida, nomeadamente da nossa.
Quando nos recordamos da divindade da nossa própria vida, quando voltamos ao nosso centro e ao nosso coração, quando deitamos abaixo os medos que nos consomem, conseguimos ver o outro como irmão, como parte de nós, como partícula da mesma Fonte. É a forma como somos construídos que nos leva a levantar barreiras, a colocar armaduras e estarmos em sobrevivência e em guerrilha constante. Através dos medos que nos foram dados como alimento, da diminuição constante das nossas capacidades, das comparações a que fomos sujeitos, da castração da nossa individualidade, da nossa liberdade, da nossa criatividade, da nossa curiosidade, da nossa criança interior, da ilusão da autossuficiência, da crença de um deus melhor que o outro, duma profissão superior que a outra, duma vida mais valiosa do que outra, esquecemo-nos de que, no final de tudo, todos voltamos ao ponto de onde todos, também, surgimos.
Do pó viemos e ao pó retornaremos, como disse Deus a Adão e a Eva antes de os expulsar do Éden. Do pó viemos e ao pó retornaremos, todos, sem excepção, sem distinção de classe, de credo ou de género, pois, na verdade, temos todos a mesma fonte e origem, que partilhamos com os animais e as plantas, não dum ponto de vista de família ou de pessoas, mas do que nos compõe, da matéria de que somos feitos. Da mesma forma, na morte deste veículo que chamamos de corpo, estamos também em partilha total, não somos superiores nem inferiores. A morte, como a vida, e como nos mostra a Carta XIII do Tarot, não distingue nem privilegia, porque ela, também, é sagrada e divina.
Olhar o mundo que nos rodeia, hoje, é ver em dor as atrocidades que se fazem em nome de um qualquer deus, duma necessidade de poder e, acima de tudo, do esquecimento (muitas vezes intencional) da sacralidade da vida. Saramago, no seu brilhante livro As Intermitências da Morte, deixou-nos uma citação que muito ilustra os tempos que vivemos: “A propósito, não resistiremos a recordar que a morte, por si mesma, sozinha, sem qualquer ajuda externa, sempre matou muito menos que o homem.” Por isso, é preciso recordarmo-nos desse valor incalculável que a vida tem, senti-lo no nosso coração e reactivar, colectivamente, algo que podemos considerar como o grande “medidor” desse valor: a empatia.
Se há recurso que hoje é necessário, mais do que petróleo, gás ou um metal precioso, é a empatia. Ela é a ferramenta que o amor e a esperança necessitam para que se possam plantar sementes de mudança e de transformação e que, acima de tudo, elas possam germinar. É nela que temos de colocar os alicerces duma nova construção da sociedade e do mundo, pois, sem ela, continuaremos a manter uma estrutura caduca e autodestrutiva. É com a empatia, com o sabermos colocar-nos no lugar do outro, com um profundo respeito pela vida, por cada vida, sem excepção, que conseguiremos mudar o caminho, construir uma paz visível, duradoura e profunda.
Pode ser utópico, mas nada neste mundo mudou sem um pouco de idealismo e utopia. No entanto, a sacralidade da vida não é uma utopia, é uma verdade, é um pilar que não podemos contornar sem, com isso, destruir algo fulcral para a nossa existência, quando não mesmo a própria sobrevivência, como podemos ver com tudo o que se está a passar no mundo em que vivemos. A vida é sagrada, é divina, e precisamos, urgentemente, de nos recordarmos desta simples verdade. É recordando-a em nós que podemos acender essa luz, com muita calma, serenidade e resiliência, nos corações dos que nos rodeiam, que conseguimos, assim, plantar sementes de mudança que germinarão profundas e brotarão sólidas.