Quando à nossa volta existe muito ruído e um ambiente até, de certa forma, caótico, tudo o que necessitamos é de um pouco de silêncio e paz. É assim que conseguimos ouvir os nossos pensamentos, sentir o pulsar do nosso coração e encontrar respostas para as questões que estão dentro de nós. Esta é também a nossa realidade no mundo em que vivemos, onde todos os dias somos bombardeados com informação, notícias e muita confusão e caos, onde os problemas que à nossa volta se passam são repetidos até à exaustão, num looping sensacionalista, e as coisas maravilhosas que todos os dias acontecem são diminuídas ou ignoradas, porque há audiências e lucros a serem atingidos.
No entanto, esta questão não é o único problema, pois todos os dias somos levados a um ritmo alucinante, com as obrigações sempre presentes, com o tempo sempre contado e, muitas vezes, inexistente, com a aceleração do dia-a-dia, a cada instante, a roubar-nos vida. É fácil, na cadência do quotidiano em que vivemos há décadas, sermos engolidos pelas nossas próprias questões, pelos nossos medos, pela constante ameaça de falhar e de que isso possa comprometer, muitas vezes, aquilo que é absolutamente essencial. Se pararmos para pensar, percebemos que construímos e contribuímos para um mundo muito pouco humano, muito pouco natural, muito automático e focado numa coisa que chamámos de resultado que um dia esperamos atingir.
Tudo isto tem um custo gigantesco, com os nossos níveis de ansiedade a dispararem, com questões de saúde mental, depressões e esgotamentos a tornarem-se cada dia mais preocupantes e com um pedido, cada vez maior, de olharmos para nós e transformarmos a forma como vemos e construímos a nossa própria vida. Fomos formatados para, perante um desafio, reagir e procurar logo solução, pois foi-nos ensinado que existe um equilíbrio que precisamos de manter, que não podemos comprometer, e que o único caminho possível é atingir mais, ganhar mais, ter mais, crescer indefinidamente. Esta ideia, propagada ao longo de muito tempo, nascida ainda antes de qualquer pessoa viva nesta Terra, é a maior falácia que podemos seguir e alimentar em nós, sendo até, como podemos ver à nossa volta, verdadeiramente destrutiva.
Quando estamos mais serenos, estamos também mais centrados e focados na nossa vida e no nosso propósito, pois é nessa postura que conseguimos equilibrar a nossa mente com o nosso coração, trazendo esclarecimento e sentido ao que nos é colocado, acalmando os medos e alimentando esperança.
Um dos maiores desafios deste tempo, mas que é também uma das maiores urgências, é conseguirmos fazer um caminho onde, apesar de tudo o que nos rodeia, mantemos a nossa sanidade, preservamos a nossa humanidade e não nos deixamos corromper, absorver e controlar pelo que nos acontece e pelo que nos envolve. Para tal, é preciso sermos capazes de nos tornarmos observadores na nossa própria vida. É nessa postura que conseguimos entrar em contemplação perante tudo o que nos rodeia e compreender, de forma muito clara, sem ilusões nem fugas, sem optimismos exacerbados ou pessimismos bloqueadores, o que é nosso e o que não é, o que precisamos de trabalhar, sobre o que necessitamos de nos responsabilizar e comprometer, ou o que precisamos de largar, de deixar cair, de entregar a quem pertence e seguir o nosso caminho. Quando o conseguirmos fazer, começamos a alimentar em nós uma serenidade profunda, tornando-se uma base do nosso verdadeiro desenvolvimento e nos permite olhar, encarar e abraçar a vida num tom completamente diferente.
A serenidade é, por isso, uma das maiores construções que podemos desenvolver no nosso percurso. Ela não é um objectivo ou um propósito, até porque não pode ser estanque nem estática, mas sim, na verdade, um caminho, um percurso que necessitamos de fazer dentro de nós para conseguirmos estar mais conscientes dos nossos desafios e de como os conseguimos, verdadeiramente, resolver. Como uma montanha que nos propomos a escalar, este caminho é sinuoso e desafiador, muitas vezes difícil e outras tantas a parecer mesmo impossível, mas torna-se extraordinário quando, em determinados momentos, levantamos a nossa cabeça e conseguimos ter uma visão da nossa vida que se torna avassaladora de tão bela que é. Contudo, é preciso sempre termos presente que a serenidade é um caminho que necessitamos de percorrer todos os dias, com uma confiança e uma entrega totais, que é através dela que os desafios que a vida nos coloca se resolvem, que as dificuldades se esbatem e que as soluções aparecem.
Quando estamos mais serenos, estamos também mais centrados e focados na nossa vida e no nosso propósito, pois é nessa postura que conseguimos equilibrar a nossa mente com o nosso coração, trazendo esclarecimento e sentido ao que nos é colocado, acalmando os medos e alimentando esperança. Isto não significa que a serenidade é a resolução de todos os males, o comprimido mágico que tudo cura, bem pelo contrário. A serenidade, por si só, não resolve absolutamente nada, não é essa a sua função, mas dá-nos uma base essencial para conseguirmos olhar para o nosso mundo e para a nossa vida de forma mais integrada, oferecendo-nos a capacidade de vermos os pontos cegos, os nós e os bloqueios e de os conseguirmos resolver e colocar no lugar certo.
É num caminho de serenidade que temos a capacidade de apaziguar os nossos mecanismos e padrões de sobrevivência, de constante alerta e de guerrilha, pois é ele que nos ensina a unir as várias dimensões do nosso ser e a utilizá-las como um todo. Isto não significa que não voltaremos a reagir ou a ser impulsivos, até porque, muitas vezes, isso faz parte estrutural e instintiva da nossa natureza, mas permite-nos ganhar consciência dessas atitudes e posturas, auxiliando-nos a travá-las, a corrigi-las, a acalmá-las. É assim que, ainda que possamos ir até aos extremos do nosso ser, voltamos mais facilmente ao centro, reajustamo-nos e nos encontramos em paz, observando os vários caminhos e hipóteses, as várias vias e pontes, e encontrando uma solução no meio de todos os problemas, sem os descartar, compreendendo a razão de existência desses obstáculos e integrando-os como parte activa da questão e da resolução.
No mundo em que vivemos, tão carregado de ruído, a serenidade é uma voz que nos guia e nos orienta, que nos dá conforto e paz. Tudo o que acontece à nossa volta, tudo o que assistimos e experienciamos, é parte do nosso percurso, tem um propósito e um sentido, mas nem tudo é parte de nós, nem tudo é nosso, e torna-se essencial fazer essa filtragem e consequente limpeza. Nem sempre é fácil fazê-lo, até porque estamos sempre a ter mais e mais informação a chegar a nós, mais solicitações, mais respostas a dar, mas com o tempo e com a aprendizagem deste caminho, consegue ser progressivamente mais simples.
No fundo, é preciso compreendermos que a serenidade é, na verdade, um caminho e um trabalho de mestria e, como tal, necessita desta profundidade de consciência que obtemos quando olhamos para dentro de nós de forma amorosa e em profunda dádiva. Nenhum caminho de mestria se faz sem amor, sem integrar, constantemente, luz e sombra, sem abraçar o ensinamento da mesma forma que se abraça a provação. O caminho da serenidade é o de encontrar em nós um Templo sagrado, uma coluna de fogo que nos centra, mas que também alimenta os que nos rodeiam com o seu calor. Até, porque, na sua essência, a serenidade é também uma semente que se planta nos corações, que germina e floresce quando a alimentamos em dádiva, generosidade, merecimento e Amor.