
Guardamos, por vezes, a vida como se fosse uma peça de vidro ou de cristal, frágil, que se pode quebrar a qualquer momento. Guardamos num sítio seguro, estável, muitas vezes fora da vista dos outros, com medo que alguém estrague ou magoe. No entanto, a vida não é para ser guardada, mas sim para ser vivida, aproveitada e celebrada. Quando nos reservamos, quando nos protegemos, em vez de sentirmos a vida a pulsar dentro de nós, apenas estamos a sobreviver. Viver é uma arte, dizem, mas talvez o seu fundamento seja, muitas vezes, mais simples do que aparenta.
Desde o início dos tempos que o ser humano se desenvolve, cresce e evolui através duma acção tão simples como a experiência e a brincadeira. É essa coisa tão humana, que temos desde a nossa base, enquanto crianças, que nos permite abrir a nossa mente, absorver conhecimento, atingir o limite das nossas capacidades e ultrapassá-las. É nessa capacidade de brincar, de imaginar, de construir e de sonhar que nos permitimos alcançar algo maior do que conhecíamos antes, de dar mais uns passos no nosso potencial, de subir mais uns degraus na nossa caminhada.
É enquanto crianças que mais nos aproximamos da nossa essência e, por isso, do divino. Deus, se assim lhe quisermos chamar, é riso, brincadeira, diversão, alegria. São estas coisas tão simples, mas tão poderosas, que nos permitem trazer o divino para a Terra, que nos permitem criar. Enquanto crianças, tentamos, experimentamos, imaginamos, rimos, choramos, caímos e levantamo-nos sem nos preocuparmos com o que se vai passar. Por isso, também não nos bloqueamos nem limitamos. O medo existe, sim, como uma protecção, instintiva e essencial, mas não o tornamos um bloqueio. Não é por cairmos que vamos desistir ou ganhar medo de voltar a subir à árvore.
Não é na falha que a aprendizagem se concretiza, mas sim quando levantamos o nosso olhar e tentamos de novo, de forma diferente, e sentimos a alegria da curiosidade, da imaginação, da persistência, percorrer as nossas veias.
Não é ao cairmos, na verdade, que aprendemos e nos aperfeiçoamos, mas sim quando nos levantamos e tentamos de novo. Não é na falha que a aprendizagem se concretiza, mas sim quando levantamos o nosso olhar e tentamos de novo, de forma diferente, e sentimos a alegria da curiosidade, da imaginação, da persistência, percorrer as nossas veias. É nesse instante que voltamos a sentir a vida em nós, que saímos dum lugar confortável, que criamos algo que nunca tínhamos imaginado. É esse arriscar, esse ousar de sair do que é esperado, não por rebeldia, mas sim por necessidade da nossa Alma e em sintonia com ela, que nos recorda da vida que nos habita.
Não é reservando-nos e protegendo-nos que conseguimos aproveitar e viver. Sentirmo-nos vivos implica largar medos, padrões, confortos, pele e armaduras. O medo de nos magoarmos, que nos façam mal, o medo de voltarmos a cair, de sermos enganados e traídos, leva-nos muitas vezes a fecharmo-nos nos nossos mecanismos de protecção, nas nossas conchas e defesas. Fazemo-lo instintivamente, porque muitas vezes crescemos com a sensação de estarmos sozinhos, isolados, por nossa conta, e não há outra solução que não levantar defesas e empunhar armas. A vida é difícil, é dura, é construída na base da dor e do sofrimento, foi o que nos foi ensinado, mas que não podia estar mais longe da realidade.
Com as exigências do quotidiano, o ritmo desenfreado e a nossa mente profundamente acelerada, caímos nas trevas do medo e esquecemo-nos de que o que nos move é o prazer e que ligado a ele está, sem qualquer dúvida, a alegria e a diversão. De que serve andarmos aqui uns 80 ou 90 anos sem tirar prazer do caminho, sem nos rirmos com a vida e da vida, sem nos divertirmos com o que fazemos? Pensando desta maneira, a resposta é rápida e simples, mas a realidade mostra-nos algo bem diferente.
Neste caminho de competição, de dualidade extremada, de uns contra os outros, vamo-nos magoando mutuamente e esquecendo que a vida na Terra é um caminho de entreajuda, de interacção e de integração. É certo que existem hierarquias, que existem lugares específicos para todos e para cada um, consoante aquilo em que as suas essências vibram, em conexão com as suas melhores capacidades, mas numa constante rede que nos abrange a todos e nos liga também à Terra e a tudo o que nela existe. O que temos visto é um quebrar desta harmonia ao longo dos séculos, com a humanidade a esquecer-se de que, como ser consciente e dominante, para já, neste planeta, tem uma responsabilidade acrescida de preservar o equilíbrio.
Esta forma de vivermos, passada de geração em geração ao longo do tempo, criou feridas e mágoas, amplificou fossos e trouxe muita dor. Chegados a este momento, vemos muito ódio espalhado por todo o mundo, vemos cegueiras ideológicas a destruírem-nos na nossa essência, vemos corações profundamente feridos que se esqueceram do que é a verdadeira alegria, o verdadeiro prazer. A vida que é mesmo vivida não é destruidora, não é rancorosa, não é vingativa. Isso não é vida, é sobrevivência, aquilo que vemos em muita gente quando saímos à rua e olhamos à volta.
Por isso, neste caminho, é preciso por vezes voltarmos a encarar as trevas, irmos à escuridão, olharmos de frente o que de mais feio existe na natureza humana, para termos a possibilidade de nos recordarmos da beleza do que é a vida e escolher fazer diferente. Ainda que a vida não tenha de ser vivida na dor, é ela que nos permite crescer, que nos impulsiona a fazer diferente. A criança que sobe a árvore e cai sente dor, chora, precisa de mimo e de curativo, mas não fica presa nesse momento, limpa as lágrimas, levanta-se e volta à árvore para vencer o gigante e sentir a alegria da conquista.
É essencial recordarmo-nos de sentir o prazer de viver, de nos divertirmos, de rirmos, de partilharmos alegrias e tristezas, de chorarmos também, pois a vida é este caminho de experiência das emoções. Para isso, precisamos de pintar fora dos traços, prevaricar, deixar o entusiasmo preencher-nos e contaminar os que nos rodeia. A alegria, a diversão, o prazer e o riso são das formas mais belas e poderosas de nos enraizar, de nos colocar aqui neste plano duma maneira criativa e criadora e por isso é que elas são das primeiras coisas que nos tentam restringir. É nesta vivência poderosa que trazemos as sensações à vida, que a colorimos e a tiramos daquele lugar seguro onde a guardámos para a expor como um troféu. É assim que a vida pode ser, verdadeiramente, vivida e é isso que, em cada dia mais, nos está a ser pedido.