
A mitologia greco-romana conta-nos que os fados transmitiram a Saturno que ele seria derrubado por um filho seu. Sabendo disso, Saturno começou a comer os seus próprios filhos, com receio de que se realizasse a profecia. Cibele, sua esposa, cansada de ver os seus próprios filhos serem devorados pelo marido, decidiu, aquando do nascimento de Júpiter, trocá-lo por uma pedra, que Saturno comeu sem reparar que estava a ser enganado. Júpiter cumpriu a profecia e derrotou o pai, fazendo-o ingerir uma erva que o fez vomitar todos os filhos que tinha devorado e expulsando-o dos céus.
Com a vitória garantida, Júpiter dividiu o mundo em três parcelas, oferecendo os mares a Neptuno e o submundo a Plutão, mas ficando com os céus e toda a amplitude estelar para o seu próprio domínio. Curioso também que Júpiter só fez o mesmo que o próprio pai já tinha feito, deposto o próprio pai e assumido o poder. A diferença é que, de forma peculiar, dividiu para reinar, precisamente para que outros não lhe fizessem o mesmo que ele fez.
Pergunto-me se, depois de ter deposto o pai e este ter ido para o seu exílio, Júpiter, de tempos a tempos, nas suas noites mais descansadas, terá sido atormentado pela sua consciência, com a imagem do pai a vir retomar o seu poder, munido da mesma arma com que derrotou o seu progenitor. Idealizo que, nesse momento, Saturno, no seu exílio, no Lácio, onde ensinou a agricultura aos homens, onde reinou e deu origem à idade de ouro, sentiu-se liberto para poder fazer o que ele fazia melhor, trazer ordem, estrutura, valores e responsabilidade, deixando o mundo na sua regência tripartida.
Saturno passeia-se por Sagitário, domínio de Júpiter, desde o final de 2014 (embora com um pequeno interregno) até ao final de 2017, como o fantasma que nos traz o medo de perdermos alguma coisa, que nos leva ao extremo, tão simplesmente porque nos obriga a lidar com a nossa sombra, com aquilo que precisamos de passar, compreender e integrar para poder, verdadeiramente, mostrar a nossa luz.
Os tempos de Saturno em Sagitário são assim, como uma espécie de purga antes do planeta voltar ao seu domicílio, 28 anos e meio depois, pedindo-nos responsabilidade por tudo o que somos e criámos. Saturno é o Mestre que precisamos respeitar, que nem Júpiter se atreveu a matar, que nos obriga a transitar pelo nosso caminho e que nos coloca provas para nos podermos superar a nós mesmos. Contudo, ao transitar por Sagitário, ele evoca um velho problema, um ancestral medo, o de perdermos a nossa liberdade, o de outros nos tirarem aquilo que é nosso, fazendo com que nós próprios coloquemos, se assim entendermos, os bloqueios às nossas próprias vidas.
Na verdade, não é esse o propósito de Saturno quando passa por Sagitário, pois ele pede-nos responsabilidade, coerência, estrutura, não a que nos regeu antes, mas sim uma nova, reajustada, mais em sintonia com a nossa própria essência, a que nos ensina a voltarmos a compreender a nossa Centelha Divina e a expressá-la. Para tal, tem de nos dar um clique, tem de nos fazer acordar, e a prova de tal facto é o que tem acontecido neste último ano, com especial impacto nestes dias, quando Saturno chega ao grau 15º de Sagitário.
O mundo acordou hoje com a notícia da vitória de Donald Trump para a presidência da, ainda, maior potência global, os Estados Unidos da América. O mundo acordou atónito perante aquilo que considerava uma impossibilidade, como se já não devêssemos estar habituados aos imprevistos e às impossibilidades. Há bem pouco tempo, ninguém achava possível os britânicos votarem a favor de um BREXIT. Há bem pouco tempo, ninguém achava possível que uma “esquerda” se unisse para formar um governo em Portugal. Uns ainda ficam surpresos com a ida de Durão Barroso para o Goldman-Sachs enquanto outros se perguntam como a extrema-direita está a subir na Europa e, na verdade, um pouco por todo o mundo. A resposta, diria Saturno, está dentro de cada um de nós.
Com estas pequenas coisas, começamos a sentir que algo não está bem, começamos a sentir-nos desconfortáveis, a perguntarmo-nos o que vai ser o futuro, quando tudo o que conhecemos parece estar a ruir. Começamos, espero eu, a acordar, e talvez seja essa a grande questão que hoje me levou a escrever este artigo.
Fala-se muito que estamos numa época de Despertar, de maior elevação e consciência espiritual, eu próprio já disse isso algumas vezes, mas hoje apercebi-me que talvez isso não esteja totalmente correcto. Para muitos, sim, é um momento de Despertar, de redescoberta da sua essência, mas para a maior parte de nós neste planeta, porque tal é absolutamente necessário, é o tempo de Acordar.
Acordar e Despertar são duas coisas diferentes, dois tempos e dois momentos com funções e fundamentos díspares, mas consecutivos. Acordar é sair do sono profundo, é abrir os olhos e, ainda estremunhado, ganhar alguma noção do que nos rodeia. Às vezes, acordar é levantar da cama, sair do quentinho que estava debaixo do edredon e levar com o frio cá fora, começando um novo dia. À medida que vamos acordando, vamos despertando, tomando consciência do nosso dia, do nosso caminho, do que precisamos de fazer, organizando-nos e orientando-nos para realizarmos o que esse dia nos pede.
Saturno em Sagitário é, a meu ver, Acordar, dar-nos aquele empurrão que nos tira totalmente o sono quando estamos mesmo quase a adormecer, e tal é extraordinariamente importante, pois, em breve, quando ele entrar em Capricórnio, seremos chamados à responsabilidade de todas as escolhas e caminhos que temos tomado. Essa fase, sim, será o grande Despertar, acredito eu, que nos empurrará para um novo ciclo, entre 2019 e 2010. Não, não esperemos mudanças drásticas, ET’s a descer dos céus, de repente tudo novo e bonito. Não, o mundo não funciona assim. Despertar é abrirmos a nossa consciência para quem somos, para o nosso papel no mundo e começarmos a deitar abaixo as velhas estruturas que nos apertam, que nos condicionam.
Na verdade, Saturno tem um importante aliado, Plutão que, em Capricórnio desde 2008, tem vindo a trazer os podres todos ao de cima, tem limpo a casa para que Saturno, quando chegar, possa fazer o seu trabalho, organizar e pedir responsabilidades, preparando, por sua vez, a chegada de Júpiter, onde partilharão os três da energia fria do Inverno, o frio que gela os incautos, mas que enrijece os audazes, que protege com a camada fria e gélida as sementes que, na Primavera, irão rasgar a terra e crescer. Nesse curto momento, entre o final de 2019 e o início da Primavera de 2020, o mundo terá nas suas mãos a possibilidade de criar uma realidade diferente, seja isso o que for.
Para tal, é preciso algo que considero essencial e que não me canso de dizer. Acordar significa deixarmos de procurar fora algo que tem de começar dentro de nós mesmos. Não podemos continuar à espera da vinda de um novo Messias, até porque já cá tivemos um (ou vários) que nos deixou mensagens tão importantes e tão profundas e que tão desprezadas e esquecidas continuam a ser. Não podemos continuar à espera que sejam as instituições os políticos ou até mesmo os extraterrestres a resolver os nossos problemas, a chegar e a limpar aquilo que nós próprios criámos. Não podemos continuar a desresponsabilizar-nos das nossas próprias escolhas, nomeadamente daquelas que optámos por não fazer, como um lixo que varremos para debaixo de um tapete, na esperança que ele desapareça.
O mundo está a mudar, não é de agora, porque cada um de nós também está em mudança. No entanto, mudar é sair da nossa zona de conforto, é criar o casulo onde nos vamos, por fim, transformar. Não pensemos que isto é algo de novo, porque não é, mas ocorre umas oitavas mais acima do que anteriormente. Não é a primeira vez que o mundo nos traz líderes medíocres, a diferença é que este é o tempo em que estamos a viver e em que é necessário olharmos e percebermos que eles são o reflexo da forma anulada como temos vivido as nossas próprias vidas.
Num mundo em mudança, as sombras têm de vir ao de cima para que possam ser vistas, assumidas e integradas, temos de levar com a pancada de olharmos para uma parte de nós que não gostamos e escondemos. Talvez a maior sombra que temos de enfrentar é, precisamente, a anulação constante que temos feito de nós mesmos, em prol de bens materiais, de relacionamentos tóxicos, de poder, de carências e de tantas outras coisas que, como um cancro, começam silenciosa e pacientemente a minar as células à volta da sua origem, alastrando-se. Quando se alastra, os sinais, as dores e os problemas surgem, são o Acordar que nos pede actuação rápida para retirarmos aquilo de nós. Contudo, a verdadeira cura dá-se no Despertar, quando compreendemos o porquê de tal ter chegado às nossas vidas, o que precisamos de mudar e o que necessita de transformação.
Quando nos anulamos, quando nos apagamos, o ego, a nossa estrutura de sobrevivência, é activada em toda a sua força, para cumprir a sua missão, a de preservar a nossa vida, e, nesse momento, vai procurar um suporte algures. Nessa circunstância, entregamos as nossas vidas aos que nos rodeiam e buscam poder. Procuramos alguém que nos dê algum carinho e, quando encontramos, procuramos preservar a todo o custo. Acreditamos em líderes religiosos que nos prometem o céu a troco de um dízimo, enriquecendo a instituição. Pagamos milhares para desmanchar uma bruxaria que, volta e meia, é reforçada, trabalho que só aquela pessoa pode fazer. Colocamo-nos nas mãos de contratos precários e patrões que acenam com o despedimento, dizendo-nos para termos cuidado que lá fora está tudo muito mal. Damos o nosso voto àqueles que nos dizem o que gostamos de ouvir, ainda que não nos mostrem como o vão fazer, até porque, na realidade, não têm qualquer intenção nem possibilidade de o fazer. Fazêmo-lo e ficamos vazios, vendemos a alma ao Diabo, não aquele das histórias, do Inferno como castigo, mas sim aquele que também existe em cada um de nós, que, na verdade, como nos ensina a carta do Tarot, pode ser o grande portador da nossa Luz, assim nos saibamos libertar das suas amarras.
O mundo está em mudança, não porque este ou aquele foi eleito, não porque duas torres caíram num ataque terrorista, mas sim porque o nosso propósito enquanto almas encarnadas, assim como o propósito da própria Terra enquanto Espírito, é subirmos mais uma oitava, ascendermos dum largo período de trevas ancestrais, onde muito crescemos, é verdade, mas onde desvirtuámos a nossa essência e a aprisionámos em matéria, onde matámos por poder e suposta glória, onde escravizámos das mais diversas formas em prol de um crescimento. A tão falada Era de Aquário é precisamente esta saída das trevas, este dealbar entre tempos, em que o tempo já tem uma medida diferente.
O Tempo, de quem Saturno é senhor, é aquilo que nos define, verdadeiramente, aqui na existência terrena, a maior e mais poderosa fonte de mestria, experiência, sabedoria e transformação. Sem Saturno, sem o respeitarmos, sem o integrarmos, sem nos rendermos à sua sabedoria, à sua mestria, não podemos transcender o nosso próprio Ser, não podemos ultrapassar os limites do plano físico, não nos podemos tornar, nós mesmos, em Mestres, não podemos acender a nossa própria Centelha, pois é ele quem nos permite atingir a transmutação, tocar o Deus em nós. Se Júpiter nos eleva, nos expande, é Saturno quem nos cria, educa, rege, orienta, disciplina e nos ensina a superarmo-nos a nós mesmos, como o duro Mestre que exige do seu discípulo, que lhe dá limites, mas que, dentro do seu coração, espera ansiosamente pela felicidade do dia em que o vê ultrapassá-lo. No fundo, acredito que, embora tivesse derrotado e enviado o pai para o exílio, Júpiter fosse muitas vezes, disfarçado, até Lácio pedir conselhos a Saturno que, pacientemente, no auge da sua verdadeira glória, ensinava e orientava o filho para poder continuar a dividir para reinar.