Há muitos anos tive uma experiência que, embora não tenha sido muito agradável, se tornou uma aprendizagem e se transformou numa imagem simbólica que muitas vezes partilho. Resumidamente (e tentando não ser excessivamente gráfico), após arrancar um dente e ter levado alguns pontos, uma paragem de digestão fez com que o algodão que continha antibiótico tomasse um rumo diferente e, como consequência, os pontos infectaram. Por parvoíce, fruto da inexperiência da idade, estive com dores bastante desconfortáveis durante quase uma semana. Ao chegar ao gabinete da dentista, ela informou-me que tinha uma bela infecção e que, para resolver, teria de fazer uma raspagem, não podendo levar nenhuma dose de anestesia.
A dor tem um efeito muito curioso sobre a nossa mente. É desestabilizadora e desconfortável no início, mas ao fim de algum tempo que a suportamos, ela tem a capacidade de nos destruir todas as resistências. Por isso, quando a médica me diz que teria de fazer uma raspagem, não quis sequer perceber o que isso representaria (ainda que a ideia fosse um bocadinho desagradável) – a única coisa que pretendia era deixar de ter dor. Assim foi, após uns segundos de raspagem e limpeza da zona, a dor que me assolou e desmembrou a mente por dias desapareceu de forma automática, sem deixar qualquer rasto.
Esta pequena e ridícula história, que uso muitas vezes como exemplo, mostrou-me três coisas. 1) Muitas vezes, por não termos consciência, por ignorância ou estupidez, por deixarmos as coisas tomarem uma proporção desnecessária, vivemos processos dolorosos, geramos feridas que, em algum momento, vão infectar, criar pus, ficar muito feias e doer bastante. 2) Tratar dessas feridas implica sujeitarmo-nos ou vivermos processos agressivos, duros, que são a única forma de tratar o assunto. E 3) dessa experiência fica uma aprendizagem e a possibilidade de mudar um padrão, pois, mais cedo ou mais tarde, novos problemas e situações irão surgir e o que vai fazer diferença são a consciência e a clareza que obtivemos sobre os nossos comportamentos, medos e questões.
A Dra. Diana Cruz, uma querida amiga e excelente terapeuta referia, num post nas redes sociais (cliquem, vejam o post e sigam o trabalho dela), que é preciso encarar a dor, que, citando-a, “A única forma de transformar a dor é atravessando-a.” Esta percepção é, para mim, um tiro certeiro numa consciência que necessitamos, cada dia mais, de ganhar sobre nós e sobre o mundo. No entanto, também é preciso ter a noção que atravessar a dor é uma empreitada muito difícil e desafiadora, uma missão titânica, uma verdadeira odisseia. A dor é a forma de crescimento que este plano nos oferece e transformá-la é suplantar os nossos próprios limites e descobrir o que está dentro de nós mesmos. Atravessá-la é, por isso, um caminho sobre um lado interior e profundo do nosso ser, um lado que não é necessariamente escuro, mas que pode ser muito perigoso, pois nele podemo-nos perder muito facilmente.
A dor é um sintoma que provém duma realidade criada e alimentada, é o derradeiro sinal de que algo está muito mal, um grito que manifesta uma urgência. Quando algo acontece com o nosso corpo que o magoa, que lhe faz mal, são enviados um conjunto de estímulos que, após um caminho pelo nosso sistema nervoso, chega ao cérebro, que os processa. A partir daí, desencadeiam-se processos químicos que provocam reacções, activam-se memórias e traumas que as integram. Se for algo mais simples, falamos duma experiência de minutos ou horas, mas se se tornar crónico, temos um processo que pode tornar-se profundamente bloqueador e transformar até à nossa capacidade de processar coisas simples, tornando-nos mais reactivos, mais agressivos ou defensivos. Quanto mais aguda é a dor, mais ela nos desconecta da nossa racionalidade, mais ela nos retira dos nossos mecanismos de controlo, mais ela nos leva a um ponto de inconsciência.
Este artigo não é sobre dor, muito menos num sentido físico e material, mas se pensarmos um pouco nas palavras que atrás referi, podemos ver uma sincronicidade com o mundo em que vivemos e com os nossos próprios processos. Vivemos tempos de profunda desestabilização, de dor, de sentimento de impotência. Vivemos também tempos onde se vê muita raiva, muita inconsciência, muita energia mal direccionada. Isto acontece quando vivemos tempos de transformação profundos, quando os paradigmas vigentes se revelam incapazes de resolver os problemas e quando somos chamados a mudar, a deixar cair estruturas, a reestruturar, reconstruir ou mesmo criar sistemas “do zero”. Nesses tempos, é-nos pedido para olharmos para dentro de nós, para percebermos o nosso lugar neste todo e a assumir a nossa responsabilidade na mudança que escolhemos e queremos fazer. Quando tal implica grandes transformações e o largar de coisas que consideramos seguras (mesmo que elas já não o sejam), temos uma enorme tendência em procurar um culpado, um inimigo, um alvo. Isto parece familiar?
Um Novo Paradigma
No final de 2020, no meio dum processo muito complexo a nível mundial, Júpiter e Saturno encontraram-se aos 0º29’ de Aquário, abrindo caminho a cerca de dois séculos de conjunções destes planetas em signos do elemento Ar e encerrando um período semelhante de conjunções em signos do elemento Terra. As conjunções entre Júpiter e Saturno são trabalhadas desde os primórdios da Astrologia como grandes dimensionadores de Ciclos terrenos, oferecendo-nos uma tónica de trabalho e de desenvolvimento. Um ciclo de conjunções em signos de Terra, marcado pela revolução industrial, trouxe um paradigma ligado à matéria, à posse, ao crescimento económico e desenvolvimento de riqueza, saúde física, materializando os impulsos, as vontades e as inovações do ciclo anterior, em signos de Fogo.
Quando, em 2020, um ciclo se abre no elemento Ar, tendo como arranque o signo de Aquário, nomeadamente num grau tão importante como o primeiro, estamos perante o início dum novo paradigma de desenvolvimento social, ligado ao pensamento, ao conhecimento, à comunicação, às ideias, à inovação e à tecnologia. A certeza de que, nos próximos anos, tudo mudará, é cada vez maior, tal como a consciência de que, quanto mais insistirmos nestes conceitos antigos de posse, fundados na exploração material e numa ideia (idiota) de crescimento quase ininterrupto, mais dor vamos gerar e mais sofrimentos vamos vivenciar. Não é teoria nem idealismos, é a realidade que estamos a viver.
Tenhamos apenas como exemplo um ponto. A última vez que vivemos um ciclo de conjunções Júpiter-Saturno no elemento Ar e que, obviamente, vem no seguimento dum ciclo no elemento Terra, a sociedade europeia vive o período da Baixa Idade Média. Depois dum período de crescimento demográfico, social e económico, com inovações ao nível da produção (ciclo no elemento Terra), veio uma crise na forma como o sistema se desenvolvia, muito impulsionados por uma rápida mudança climática que gerou uma pequena Idade do Gelo e pela Peste Negra que dizimou uma grande parte da população. As terríveis condições com que o povo se confrontou, em total discrepância com as que a nobreza tinha, fez com que o feudalismo e a sua ganância fossem contestados, levando a revoltas populares e uma reorganização política, social e económica. A nobreza perde o seu poder e surge a burguesia, guerras ocorrem e novos estados surgem, e é daí que um novo ciclo de prosperidade, de desenvolvimento intelectual e tecnológico surge. Quão curioso é percebermos as sublimes similaridades com coisas que vivemos hoje.
O Eixo da Purificação – Os Eclipses de Setembro
Quando tudo começa a mudar, feridas abrem-se e o que está podre, caduco, destruído e estragado revela-se, trazendo uma dor profunda, mas também a evidência do que nos trouxe até este ponto. É nesse momento que nos é pedido um acto de consciência, de entrega e dedicação a um processo de cura do que está mal e que se torna urgente, sob pena da dor se agudizar e nos levar a um ponto de ruptura. Esse processo tem várias etapas e momentos, mas há um que é, sem dúvida, muito importante, o da purificação, aquele em que temos de olhar para a porcaria toda que está bem visível e temos de a limpar, de a desinfectar, retirar tudo o que poderá impedir a cicatrização e a cura. Se não o fizermos, mais cedo ou mais tarde, a dor voltará, a ferida será ainda maior, a infecção estará ainda mais grave e o processo será ainda mais doloroso.
Dum ponto de vista astrológico, o tempo que vivemos é verdadeiramente crucial, com muitos processos a serem experienciados nos próximos meses que marcam um novo caminho, um novo rumo, mas que pedem uma preparação. Entre 2024 e 2026 temos todos os planetas (nomeadamente os que operam grandes processos sociais e mundiais) a fazerem mudanças de signo e, por isso, a dar um novo mote energético ao mundo. Embora não saibamos muito bem o que temos pela frente, o que vai acontecer ou o que nos espera, se bom ou mau, percebemos que há muito trabalho a fazer e que esse trabalho não pode vir de fora para dentro, não pode começar na sociedade e vir para o indivíduo. Pelo contrário, esse trabalho começa (e acaba também) em cada um de nós e é dum caminho interior e individual que se manifestará no mundo e no colectivo. Contudo, sem limpeza e purificação não poderá dar-se a cura que tanto precisamos.
É nesta conjugação que Setembro nos traz a segunda e última época de eclipses de 2025, com um eclipse Lunar Total no dia 7 de Setembro (o dia de ontem, à data da publicação deste artigo) e um eclipse Solar Parcial no dia 21 de Setembro, ambos a darem-se e a processarem-se no eixo Virgem–Peixes, o eixo da Purificação. É neste eixo de trabalho que o Zodíaco nos traz processos profundos de cura e de reorientação da energia para um novo propósito e caminho. De Virgem segue-se para Balança/Libra, encerrando um caminho de trabalho individual e passando para uma realidade sobre o outro e sobre o colectivo. De Peixes segue-se para Carneiro/Áries, fechando um ciclo e abrindo um novo percurso, integrando aprendizagens e gerando um novo Eu. Por isso, este eixo, embora seja de profunda capacidade de criação, de entrega e abertura, também nos leva a uma espécie de limbo, a um espaço complexo e, por vezes, muito pouco claro.
O perdão é uma profunda resignação, uma entrega absoluta que nos leva a uma libertação de algo que carregamos, que não é nosso e que, por isso, precisamos de largar.
No meio de todos os processos que estamos a viver, que por vezes nos fazem sentir numa espécie de máquina de lavar roupa, é importante percebermos o que estes olhares interiores nos pedem e o trabalho que há fazer dentro de cada um de nós. Os eclipses servem precisamente para isso, para nos mostrar pontos de transformação, para nos impulsionar a esse olhar profundo e dar-nos ferramentas para trabalharmos as nossas questões. Contudo, eles não nos apresentam processos simples, bem pelo contrário.
Recordemo-nos que a partir do momento em que as sociedades se foram desenvolvendo, em que a conexão com a natureza e os seus ciclos foi desvanecendo e sendo substituída por um contexto profundamente religioso, os eclipses passaram a ser temidos, vistos como algo até assustador, magia e bruxaria (quem não se recorda da clássica cena no livro de Umberto Eco, “O Nome da Rosa”?) Mesmo na Astrologia clássica, os eclipses eram vistos como eventos que traziam grandes mudanças, de natureza maléfica e negativa, pois representa a ocultação do astro, a perda da sua força. Com a Astrologia moderna e, principalmente, com uma visão mais humanista e psicológica, compreendemos os eclipses de forma diferente, mais integrados, sem perder o foco transformador, mas sem a carga negativa.
Ao olharmos para os eclipses que Setembro nos traz, conseguimos ver os processos profundos e intensos que eles nos oferecem, principalmente pois ambos são bastante fortes, participando da activação de pontos importantes que nos marcarão ao longo dos próximos meses. É preciso termos em consideração três questões. Em primeiro lugar, dum ponto de vista temporal, o seu efeito já se começou a sentir nestas últimas semanas, podendo ter efeitos pelos próximos meses, mesmo até ao próximo ciclo de eclipses. Em segundo lugar, eles oferecem-nos processos globais, que se manifestarão de formas diferentes nos vários pontos do mundo, sendo mais importantes onde eles serão visíveis. Por último, em cada um de nós eles manifestam-se de forma muito própria, podendo não ser até, de todo, relevantes. Por isso, quem quiser perceber o impacto dum eclipse, precisa de ter em consideração, primeiro que tudo, a Casa em que ele se dá para perceber o tema que irá ser trabalhado e, se houver, o(s) ponto(s) que estarão a ser directamente mexidos. Para tal, nada melhor do que a visão dum astrólogo, claro!
7 de Setembro – Eclipse Lunar Total
No dia 7 de Setembro, pelas 19:08 (hora de Lisboa), vivemos o Eclipse Lunar Total aos 15º22’ de Peixes. Num eclipse lunar a Lua é ocultada pela projecção da sombra da Terra que se coloca estrategicamente entre os dois luminares. Um eclipse lunar é uma lua cheia, uma lua de colheita, muito especial, que simbolicamente nos traz um mergulhar sobre o nosso inconsciente e a confrontação com o que lá existe e que precisa de ser mexido e trabalhado. No signo de Peixes, confrontada por um Sol em Virgem, este eclipse irá pedir-nos para olharmos para temas profundamente emocionais e compreendermos que, como Shakespeare refere na sua peça ‘Hamlet’, “há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia”. Há momentos em que é preciso largar, deixar ir, aceitar um determinado caminho e resignarmo-nos àquilo que não podemos controlar.

Este eclipse vem-nos recordar dessas coisas que não controlamos e sobre as quais precisamos de ter uma nova postura, uma nova atitude, áreas da nossa vida que estão marcadas por feridas, por traumas, por coisas que nos marcaram, mas que já não nos podem definir. Tudo tem um sentido de existência e de permanência na nossa vida, que só desvanece quando conseguimos limpar, quando já não é necessária. Contudo, para o fazermos, precisamos de encarar essas questões, olhá-las, aceitar que elas existem, e isso é manifestado pelo facto deste eclipse se dar tão próximo do Nodo Norte, mostrando que é um trabalho interno, sim, mas de profunda tomada de consciência que nos pede algum tipo de acção, algo que em Peixes tem contornos muito peculiares e específicos.
Peixes é a resignação pura, profunda e transmutadora, que não se manifesta por uma desistência, mas sim por uma entrega total àquilo que, de certa forma, nos está a ser pedido, ainda que nem sempre consigamos entender. Se Sagitário nos traz a Fé como um sentido, Peixes é essa Fé transformada pela Esperança, a manifestação pura de Amor. Por isso, este eclipse mostra-nos o que necessita dum profundo processo de Perdão na nossa vida. É através dele que transmutamos a dor numa força de crescimento. É ele a raspagem do meu exemplo no início deste artigo.

O perdão é uma profunda resignação, uma entrega absoluta que nos leva a uma libertação de algo que carregamos, que não é nosso e que, por isso, precisamos de largar. Quando seguramos algo que não é nosso, que nos foi depositado nas mãos, vamos entrar em mecanismo de controlo, pois não sabemos muito bem como lidar com aquilo. Isso tira-nos energia, foco e vida e, por isso, é preciso largar e deixar ir, como o 8 de Copas, no Tarot, nos mostra, também ela marcada simbolicamente por um eclipse lunar.
Este eclipse é regido por Júpiter, em Caranguejo/Câncer, e por Neptuno, em Carneiro/Áries. Júpiter faz um trígono à própria Lua e ao Nodo Norte, mas também manifesta uma quadratura a Marte, em Balança/Libra, demonstrando que todos estes processos levam-nos a um olhar sobre nós em relação aos outros e, em Peixes, os outros é o mundo inteiro! Como é que estamos a olhar esses outros que nos rodeiam e que precisam da nossa compaixão, da nossa empatia, do nosso amor? Que colo, cuidado, amor e dádiva lhes estamos a dar? Ou será que, por medo, deixámos de ver a humanidade que nos torna todos iguais e colocamo-nos em guerras desnecessárias e destrutivas? O mundo em que vivemos mostra-nos isso em várias questões, mas se olharmos para as nossas vidas, podemos perceber que esta questão também lá está, nos locais onde não nos damos colo nem cuidado porque neles vivemos guerras que não são nossas e que precisam de cura e transformação.
Neptuno, também como regente deste eclipse, em Carneiro/Áries, é um dos grandes protagonistas dos processos do próximo ano, que inclui a conjunção que está a manifestar com Saturno, que agora está no seu movimento retrógrado, em Peixes. Mais, Neptuno está a formar sextis com Plutão e com Úrano, activando o ponto médio deste grande processo de transformação e mudança que Plutão e Úrano manifestam. Por isso, ele recorda-nos que a cura pede a saída da ilusão, pede uma acção incisiva, por vezes dolorosa, sem dúvida, para nos libertarmos desse processo, pois a sua permanência irá levar-nos à loucura, à autodestruição, à anulação e apagamento. É preciso agir, apesar de não sabermos muito bem o que fazer, compreendendo que um caminho faz-se e constrói-se em cada passo, que só saímos da ilusão quando nos confrontamos com ela, quando para ela avançamos e a vemos na sua verdadeira forma e dimensão.
Um grande trígono entre a Lua, Júpiter e Lilith, que depois manifesta-se num papagaio com o Sol, revela-nos o trabalho deste eclipse duma forma muito peculiar. Olhar para estas coisas profundas pode ser avassalador, pode mostrar-nos algo feio e hediondo, mas quando percebemos o seu sentido e a sua presença, através do perdão, do amor, conseguimos transformar e transmutar, quebrar padrões e elevarmo-nos. A crítica e o apontar de dedos, a culpa e a castração, nunca fizeram ninguém crescer nem ser melhor, apenas perpetuaram uma dor.
No entanto, quando pegamos em tudo isto, compreendemos e aceitamos, iniciando um caminho de perdão, podemos amar as nossas feridas sem as idolatrar, como hoje tanta gente na espiritualidade gosta de fazer, permitindo transformá-las, revelar a sua verdadeira face. Não é fácil, mas é essencial. Mesmo a coisa mais difícil e pesada alguma vez experienciada pode revelar um diamante, mas nunca poderá manter-se na sua forma original. Se quisermos ser mais claros, um processo grave de saúde, daqueles que pode destruir-nos, tem de ser compreendido e aceite, e precisamos de perdoarmo-nos por tudo aquilo que nos levou até ele, gerando amor, não pelo processo de saúde, mas pela consciência que ele nos traz, não o acarinhando, bem pelo contrário, mas percebendo que ele teve um lugar em nós, mas que tem de ganhar outra forma.
21 de Setembro – Eclipse Solar Parcial
O Eclipse do dia 21 de Setembro será Solar Parcial e dar-se-á às 20:54 (hora de Lisboa), aos 29º05’ de Virgem, em oposição a Saturno, em Peixes, e a Neptuno, em Carneiro/Áries. Embora, na minha opinião, um pouco menos intenso do que o Lunar que o acompanha, este eclipse tem algumas peculiaridades muito interessantes e significativas. Em primeiro lugar, um eclipse solar é uma Lua Nova muito especial, um momento de sementeira que está amplificado e potenciado. No entanto, num Eclipse Solar o astro maior, o Sol, é tapado pela Lua e simbolicamente o dia torna-se noite. A força de vida que o Sol representa é retirada, permitindo que o que está guardado e por vezes invisível perante o seu brilho, possa ser visto. Num eclipse solar o consciente, o Sol, é filtrado pelo inconsciente, a Lua, e nós, da Terra, temos uma visão diferente sobre tudo o somos.

Em Virgem, o eclipse traz-nos um lugar de construção, de sentido, utilidade e organização. É neste Signo que o Zodíaco transita do Eu para a ligação com o Outro, que nos mostra que existe um ponte entre a nossa existência terrena, o nosso corpo, e o que nos anima, a Alma e, em última instância, o Espírito. Quando entre estes dois lados não existe harmonia, há lugar à doença, pois estamos desconectados dum sentido de quem viemos ser. Em Virgem dá-se esse processo de organizar, harmonizar, sintetizar, dar sentido e aperfeiçoar. Por isso, num eclipse nesta energia, evidencia-se o que está desorganizado, o que precisa duma nova ordem, duma limpeza, o que ainda serve e o que já só está a ocupar espaço.
Perguntaram ao Mestre Rumi o que é veneno, ao que ele respondeu “Qualquer coisa além do que precisamos é veneno.” Pensando nesta questão, encontramo-nos num mundo de consumo, de necessidade, de desejo e posse, um mundo que, como facilmente percebemos, está envenenado pela ganância e por uma espécie de gula que nos leva às maiores atrocidades. Este eclipse coloca-nos, assim, perante o que não está em sintonia com um funcionamento pleno, aperfeiçoado e orientado para sermos a melhor versão de nós mesmos. Neste desequilíbrio, não somos capazes de fazer o que Virgem nos pede, o estar ao serviço e dar quem somos e as nossas habilidades com um propósito de aperfeiçoamento, levando-as a um bem maior.
A área das nossas vidas onde este eclipse se manifesta oferece-nos esta consciência, a visão dum lado pesado, denso, desequilibrado, que precisa da nossa atenção para encontrar uma nova harmonia. É nesta área que nos está a ser pedida uma profunda reverência, uma profunda humildade de nos entregarmos a sermos melhores, a separarmos em nós o trigo do joio, mas tendo de ter em atenção alguns pontos e questões. Como a espiga que se dobra de cheia, preparando-se para ser ceifada, conhecendo o seu propósito e, simbolicamente, aceitando o seu destino, também é necessário compreendermos que tudo o que temos e o que somos tem de se movimentar, tem de gerar algo mais, tem de ter um sentido, uma utilidade. Em última instância, não levamos nada deste plano quando o nosso tempo aqui expira e a nossa vida termina e, por isso, o importante é o que fazemos agora, neste momento, com o que temos, para melhorar e aperfeiçoar o que nos rodeia e permitir que quem virá depois de nós possa ter melhores condições do que as que tivemos.

Hoje vemos no mundo muito egoísmo, muita ganância, muita gente focada em si mesmo, na sua segurança, no seu conforto, nas suas posses. Ainda que não haja problema em nos focarmos no que é nosso e nas nossas condições, bem pelo contrário, a verdade é que tal não pode ser feito com um desprezo pelo outro, com uma visão do outro como o inimigo que nos irá usurpar, roubar e destruir. Contudo, é isso que hoje se verifica nas sociedades um pouco por todo o mundo. Por isso, em cada um de nós, precisamos também de ver onde todas estas questões que nos rodeiam nos tocam, o que activam e o que precisamos de fazer.
Todos nós temos os nossos fantasmas, os nossos monstros, as nossas feridas, dúvidas, inseguranças e consequentes defesas, pois todos estamos a aprender em cada dia que vivemos aqui na Terra. Contudo, o que nos está a ser pedido é que compreendamos que quando lhes damos demasiado espaço e poder, quando ficamos obcecados, de alguma forma, nelas, perdemo-nos em nós mesmos e não honramos e elevamos o melhor de nós, o sentido da nossa vida. Tudo isto só é importante quando está ligado ao outro, quando nos partilhamos e relacionamos, algo que simbolicamente está manifestado através do regente deste eclipse, Mercúrio, em Balança/Libra.
Existem duas questões-chave que tornam este eclipse especial. Por um lado, o facto de estar em oposição a Saturno e Neptuno, que estão, como referi, em conjunção, integrando energias e preparando-se para o grande protagonismo que terão em 2026. Estando ligado a esta oposição, este eclipse confronta-nos com as nossas ilusões, com o veneno explicado por Rumi, e com a responsabilidade que temos sobre essas questões, pois elas são nossas, eventualmente escolhidas de forma consciente por nós, mas que estão nas nossas vidas e, como tal, cabe a cada um de nós fazer algo com isso.
Nos tempos que vivemos, já não é possível fugir dos monstros, das feridas, das falhas, dos traumas e padrões, mas também não precisamos de entrar em guerra aberta com eles. Pelo contrário, é tempo de assumir os erros e corrigi-los, humildemente, assumir as feridas e propormo-nos a curá-las, dedicarmo-nos a esse sagrado ofício (ou sacrifício, se estivermos preparados para lidar com essa palavra) de rasgar os véus, tirar as máscaras, deitar abaixo as armaduras e revelar o nosso verdadeiro Eu. Tudo isto é reforçado pela segunda questão-chave, o grande trígono que o eclipse faz com Plutão e Úrano, que embora não seja no mesmo elemento, não deixa de ser significativo pelos intervenientes. Sem purificação, não pode haver verdadeira mudança e transformação. Sem verdadeira mudança e transformação, não há cura.
Um Caminho
A importância destes tempos e o compromisso que eles nos pedem exigem que sejamos genuínos e verdadeiros connosco. A nossa Alma e o nosso Espírito pedem-nos essa verdade, pois sem ela não podemos crescer e evoluir. A purificação que nos é pedida não passa, necessariamente, por coisas específicas, nem nos pede nada que não sejamos capazes de fazer. O eixo Virgem-Peixes no nosso mapa é o palco desse trabalho, que nos pede o colocarmos a mão na massa, mas que também nos solicita profunda compaixão.
A verdade é que, se não formos capazes de nos amar, de sermos compassivos connosco, de sermos tolerantes com os nossos processos, falhas e erros, com o tempo que precisamos para cada etapa, dificilmente conseguiremos ser tudo isso com o mundo. O custo de o tentar é um sofrimento, uma anulação, um peso que fica nas nossas costas de carregarmos muita coisa que não é nossa para encobrir o que precisamos de trabalhar. Caímos assim na culpa, no castigo, na comiseração, na humilhação e no autoflagelo, nessa coisa tão judaico-cristã que nos formou e que ainda carregamos e que tentamos mitigar com um pouco de caridade.
O que nos é pedido neste caminho é o inverso, é o elevar de quem somos e do nosso propósito em dádiva profunda. A nossa evolução faz-se com a elevação da nossa Alma, e tal só é possível quando purificamos a nossa relação com a matéria, quando nela vivemos, mas não dependemos, quando compreendemos profundamente que somos um Espírito, uma parte de Deus, a experienciar a matéria e a vivê-la não como um objectivo, mas sim como caminho.


















