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Perspectiva

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Cada um de nós vê a sua vida e o mundo que o rodeia de forma muito única, individual e especial. A mesma realidade, o mesmo objecto, a mesma situação, pode ser visto de inúmeras formas diferentes, não porque ela muda, mas porque cada um de nós, como observadores, somos únicos. Esta questão não altera o objecto, mas acrescenta-lhe dimensão e dá-lhe profundidade. Quando nos fechamos apenas num ponto de vista, um objecto fica unidimensional, condicionado pela nossa própria limitação.

A nossa visão do mundo depende sempre de quem somos, do nosso nível de consciência, das nossas experiências e vivências. Mesmo aquela que se refere a um dos cinco sentidos não depende unicamente da acuidade visual ou duma boa correcção através de lentes, ainda que tal ajude, claro. É preciso ter em conta também o lugar, o ponto de onde estamos e o que ele nos permite percepcionar. É tudo isso que molda e dá tom ao que vemos, à forma como percebemos a realidade que nos envolve e daí provém também como nos deixamos envolver e afectar pelas coisas que se passam à nossa volta.

Tudo é, em primeiro lugar, uma questão de perspectiva. É ela o ponto de partida para a compreensão do que nos rodeia e o que despoleta as nossas atitudes e as nossas acções. É ela quem molda a nossa visão sobre uma realidade e a plasma na nossa mente e nas nossas ideias, dando-lhe uma certa tridimensionalidade, uma profundidade e contexto. Contudo, tudo depende dum ponto de fuga, pois é dele que se desenvolvem as linhas da nossa perspectiva, como a técnica de pintura desenvolvida no Renascimento.

É fácil de compreender, por isso, que a realidade é uma questão de óptica, de valores, ideias e de percepções, o que torna tudo muito mais complexo do que aparentemente poderia ser, mas também nos ajuda a compreender o mundo em que vivemos. Cada um de nós tem o seu (ou os seus) “pontos de fuga”, os seus valores e estruturas, os seus ideais e crenças, as pedras basilares de onde toda a visão do seu mundo provém. É desse lugar que observamos e compreendemos o mundo em que vivemos, assim como é a partir daí que agimos e actuamos sobre a nossa realidade.

A Última Ceia - Leonardo da Vinci (Fonte: WikiCommons)

Vivemos tempos de transição, tempos transformadores e profundamente reveladores. Estes são tempos que abalam estruturas e mudam ideias, que nos mostram outros pontos de vista e nos colocam frente a frente com questões que precisam da nossa atenção, do nosso trabalho e do nosso foco. Nem sempre fáceis, estes são tempos, como podemos facilmente compreender, que colocam em causa muito do que tem sido construído, se não na forma, pelo menos no conteúdo, nas bases e nos alicerces.

Contudo, e por isso mesmo, estes são tempos desafiadores e muitas vezes avassaladores, tempos de incertezas e inseguranças, onde tentamos ver o mundo que se apresenta à nossa frente e onde não conseguimos vislumbrar nada de concreto. Pelo contrário, cada vez que tentamos olhar um pouco mais à frente, o que vemos é algo de confuso, de estranho, que nos pede uma atitude diferente daquela que temos estado habituados.

A realidade que nos envolve é, claro, a mesma, mas é vista por cada um de nós sob a sua própria perspectiva – e até aqui tudo certo. No entanto, esta realidade tem o tom do que alimentamos na nossa vida, na nossa ideia e nos nossos corações. Num mundo bombardeado constantemente de notícias, de coisas a acontecerem, onde o tempo parece sempre estar a correr, não temos tempo para processar tudo o que se passa, para observar sob várias e diversas perspectivas, para pensar, raciocinar e, acima de tudo, sentir o que chega até nós.

Com o tempo, tornamo-nos preguiçosos perante tudo o que chega até nós, deixamos de dar tempo para que a informação sossegue e encontre o seu lugar certo, porque rapidamente surgem mais inúmeras coisas, deixamos de filtrar, de questionar, de ter um processo crítico. O resultado é o que vemos, a proliferação de fake news, a defesa e o desenvolvimento de ideias que são apenas percepções e que nada têm a ver com a realidade, porque simplesmente deixámos de olhar para elas condignamente, apenas vendo-as e assimilando-as.

O mundo muda quando a nossa perspectiva se transforma, e tal só acontece quando nos permitimos voltar a nós, colocarmo-nos no nosso interior e torná-lo o nosso ponto de partida para todas as visões, entendimentos e compreensões.

Estamos mentalmente tão cheios de coisas que o nosso coração começa a ficar carregado e a nossa perspectiva não se forma dum lugar de compreensão, de esclarecimento, de amor e de profunda luz. Hoje, por muito que nos custe admitir, muitas das opiniões formam-se dum ponto de escuridão, de medo, de ignorância e de falta de compaixão, levando a atitudes sem sentido, a reacções desproporcionadas e a uma enorme estupidez. É duro, mas nem sempre difícil, de entender como chegámos, enquanto sociedade e humanidade, a este ponto.

Infelizmente, não existem soluções fáceis e muito menos milagrosas, mas existem caminhos que se podem fazer e passos que se podem dar. Tudo é uma questão de perspectiva, toda a visão é construída dum lugar interior, formada, criada e gerada de tudo o que nos preenche. Se conseguirmos, um pouco de cada vez, ajustar esse mundo interior, conseguimos também ir mudando as coisas que se vão passando à nossa volta.

Sim, é verdade que vivemos tempos difíceis, mas não passámos já, todos nós, por momentos desafiadores nas nossas vidas, se calhar mais até do que aqueles que vivemos agora? Podemos até pensar que, colectivamente, este é um tempo de desajuste, de profundas incertezas, mas não passou já a humanidade por tempos muito mais negros do que este?

Claro que podemos dizer que era uma outra realidade, que foi vivido por outras pessoas e que precisamos de ter em atenção o momento presente – e concordo –, mas também é verdade que, se tivermos estes paralelismos em atenção, podemos também mudar a nossa perspectiva. Tal não acontecerá por uma crença desproporcionada ou por uma visão ultra optimista e sem aderência à realidade, mas sim porque olhamos para trás de forma curiosa, mas também crítica, e percebemos o que aconteceu, o que foi feito, o que foi escolhido.

O mundo muda quando a nossa perspectiva se transforma, e tal só acontece quando nos permitimos voltar a nós, colocarmo-nos no nosso interior e torná-lo o nosso ponto de partida para todas as visões, entendimentos e compreensões. É assim que compreendemos que uma das razões das questões que vemos à nossa volta, no nosso mundo e nas pessoas que nos rodeia, é que a visão de muitos está desligada das suas essências, está desconectada dum lugar interior, de amor próprio, de esperança, fé e serenidade.

Pelo contrário, e é isso que vemos todos os dias à nossa volta, quando as incertezas e as inseguranças ganham forma e espaço, o que se rasga e abre são feridas malcuradas e o que vem ao de cima é uma raiva guardada há muito tempo – há demasiado tempo – juntamente com um medo avassalador. O problema é que vem tudo com uma intensidade e uma força perigosas, tornando-nos susceptíveis a influências externas, a falsos profetas e gurus, a seduções ligadas a coisas da matéria que raramente são realidade, que são apenas mentira e ilusão.

Para onde quer que olhemos, muitas vezes, torna-se difícil encontrar soluções, caminhos e alguma luz. Cada ideia que nos surge ou que nos é proposta parece apenas uma forma diferente de fazer a mesma coisa. Tal acontece porque procuramos tudo isso em lugares que já conhecemos, em formatos que nos são familiares, tão somente porque temos medo do que vem após uma mudança, daquilo que não conseguimos controlar. O que nos é pedido é uma mudança mais profunda, algo que só encontramos quando nos predispomos a ir ao lugar que realmente tem todas as chaves e todas as respostas, ao nosso coração.

Por isso, o mundo pede-nos mais silêncio, mais foco, mais serenidade, mais compaixão e muito mais amor, por nós próprios, em primeiro lugar, mas também pelos que nos rodeiam. Estes talvez sejam alguns dos maiores desafios destes tempos, que são difíceis pela forma como as nossas sociedades e ideologias foram construídas, mas que se tornam cada dia mais essenciais. É assim que compreendemos que apenas vemos o que realmente se passa quando nos predispomos a mudar a nossa visão, a olhar o que nos rodeia por outros olhos, a ver com outra luz, a dar-nos a oportunidade de compreender algo por uma nova perspectiva.

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