
O dia de hoje, 27 de Janeiro, para além de ser o dia de nascimento de umas das figuras ímpares da história da humanidade, Wolfgang Amadeus Mozart, conhecido por ser um dos maiores e mais geniais compositores de todos os tempos, é também o dia escolhido para relembrar as vítimas do Holocausto, o dia em que, há 71 anos, foi feita a libertação do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau pelas tropas soviéticas, dando um enorme passo para o fim daquele que foi um dos mais dramáticos tempos de que temos registo ou memória. Um acontecimento nada tem a ver com o outro, mas é precisamente sobre essa “distância” que esta minha reflexão se dedica.
O ser humano é capaz das coisas mais belas, mas também das mais horrendas, e essa dualidade faz-nos pensar no que define essa fronteira que, por vezes, pode ser muito ténue. Somos seres divinos, embora ainda muitos de nós não veja essa realidade, parte de um Todo que é pura Luz. Em cada um de nós há uma centelha divina, essa mesma parte do Todo que tem em si o potencial de revelarmos o que de mais divino há em nós. Accioná-la é também conectarmo-nos mais intensamente com o Todo, o que nem sempre pode ser pacífico.
Acredito que a genialidade de Mozart era a simples expressão do quão divina pode ser a vida na Terra, revelada através da música, uma linguagem de luz codificada em algo que a nossa estrutura humana reconhece como som. Mozart vivia dessa Luz que era a música, os seus diversos corpos energéticos, do físico, denso, ao mais sublime, vibravam na construção de cada sinfonia, de cada sonata ou concerto. Na música, aquela que nos faz arrepiar, que mexe com cada molécula do nosso corpo, tudo é divino, pois activa essa memória de dimensões para além da nossa, permitindo-nos sentir um pouco de Deus em nós.
O mesmo ser humano capaz de criar beleza é capaz de criar o terror, a morte e a destruição. A mesma essência que cria a Luz, cria a sombra, pois essa é a base de tudo o que somos aqui na Terra, a dualidade, e é também ela que nos faz crescer e desenvolver, que faz parte do nosso propósito. O que nos faz largar esse lado divino é a profundeza de um inferno pessoal, onde o poder, os apegos, as dependências, os vícios e o materialismo são manifestações de um medo profundo, de que o ego, ferramenta essencial para a vivência na Terra, perca um suposto poder que tem. Quando nos esquecemos do nosso Eu, da nossa essência divina, então damos força a essa nossa sombra, a que é capaz das maiores monstruosidades, a que nos manipula e controla, como sucede em qualquer guerra, como vivemos e sentimos nessa guerra mundial em que se viveu um holocausto baseado na raça, na crença e na orientação e opção, em que se levou tantos e tantos a combater pela promessa de algo que parecia divino, mas que não passava de expressão da sombra, da exacerbação do ego, da necessidade de poder.
A fronteira, creio, é precisamente a vivência da energia que nos criou, a energia do Amor. Quando vivemos em Amor, quando sentimos o Amor à nossa volta, compreendendo que mesmo este “bootcamp”, como lhe costumo chamar, que é a Terra, foi criação dessa energia que todos os planetas, estrelas e seres gerou. Parte do nosso processo de evolução é diminuir essa distância entre a Luz e a Sombra que existe dentro de nós, a distância entre a nossa Essência e o nosso Ego, unindo-os numa perfeita simbiose, numa manifestação do divino na Terra. Parece antagónico o que acaba de ler, mas a verdade é que, nesta experiência terrena, a dualidade não poderá desaparecer enquanto a própria Terra, enquanto manifestação divina, não evoluir, não ascender, não quebrar a barreira dimensional e fizer parte integrada do Todo. Assim, também nós, aqui, não estamos imunes a essa dualidade, que poderemos chamar de humanidade. Porém, a diferença está na consciência que temos dela e na profunda escolha por um caminho. É nas mãos de cada um que está a decisão de qual caminho percorrer, e nem o mais avançado dos espíritos poderá impedir, pois, na verdade, ele sabe que também ele está em evolução, tal como nós, e que uma das mais belas ferramentas que temos nas nossas mãos é, precisamente, o livre-arbítrio.
Hoje, o dia em que recordamos estes dois factos, entre tantos outros, é também o dia de reflectirmos sobre a expressão da nossa humanidade, olhando também para o mundo que nos rodeia e, de alguma forma, olhar de outro modo para tudo o que estamos a viver neste planeta, desde as guerras às fomes, das doenças às epidemias, dos problemas financeiros às desigualdades, em paralelo ao desenvolvimento tecnológico, às descobertas científicas, à mobilização humanitária, à capacidade de dádiva de que somos capazes, entre tantas e tantas outras coisas. Quando, com um outro olhar, vemos o mundo que nos rodeia, compreendemos que há em nós esse lado divino que nos dá a capacidade de mudar o mundo, de construir pontes onde elas não existem, de elevar consciências, ainda que isso leve dias, anos ou até mesmo vidas. No fundo, é reconhecer o divino em nós e diminuir aquela tal distância entre nós e nós mesmos, entre a Essência e o Ego, entre a nossa Luz e a nossa Sombra, e tal só é possível através do Amor.